Internação compulsória de usuários de álcool e drogas é inconstitucional, dizem MPF, DPU e DPRJ — Procuradoria da República no Rio de Janeiro

0
20

Direitos do Cidadão

5 de Maio de 2025 às 19h10

Internação compulsória de usuários de álcool e drogas é inconstitucional, dizem MPF, DPU e DPRJ

Nota técnica afirma que “acolhimento sem consentimento” viola direitos fundamentais de dependentes químicos e população em situação de rua

Fotografia de um morador de rua deitado em uma calçada e várias pessoas transitando ao redor


Foto Ilustrativa: Paulo Pinto/Agência Brasil

O Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) divulgaram, nesta semana, uma nota técnica conjunta sobre a Lei nº 3.997/2025, do município de Niterói (RJ). A norma, que institui uma política municipal de acolhimento humanizado a pessoas com transtornos mentais e/ou em uso abusivo de álcool e outras drogas, foi considerada inconstitucional e inconvencional pelas instituições.

Segundo o documento, assinado pelo procurador Regional dos Direitos do Cidadão adjunto Julio Araujo, pela defensora pública estadual Cristiane Xavier de Souza e pelo defensor público federal Thales Arcoverde Treiger, o ponto mais preocupante da nova legislação é a previsão do “acolhimento sem consentimento”, que permite a internação forçada de pessoas adultas, inclusive a pedido de servidores da saúde ou assistência social. Na prática, explicam os autores da nota técnica, trata-se de internação psiquiátrica compulsória sem ordem judicial, em contrariedade à Constituição, à legislação federal e aos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil.

“A lei municipal nº 3.997/2025 propõe o ‘acolhimento sem consentimento’ como prática central, o que, na realidade, equivale à internação psiquiátrica compulsória. Tal medida aproxima-se do modelo biomédico tradicional, historicamente associado à desumana lógica manicomial e à exclusão social”, afirmam.

Apesar dos termos mais suaves utilizados pela lei municipal, as instituições entendem que a nova política visa, essencialmente, a remoção forçada de pessoas em situação de rua, incorporando elementos de projetos de lei anteriores rejeitados por seu viés higienista e de limpeza social.

Direitos – A nota técnica aponta que a Constituição Federal garante a liberdade como direito fundamental e que ninguém pode ser submetido a tratamento médico forçado sem consentimento livre e informado. Internações involuntárias devem ser exceção, nunca regra, e só se justificam legalmente mediante ordem judicial ou por risco comprovado, de acordo com a Lei nº 10.216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica).

“Tratar o sofrimento psíquico e o uso de substâncias com remoção compulsória das ruas é uma forma de transformar sujeitos de direitos em objetos de controle estatal”, destacam os signatários.

Outro ponto abordado na nota técnica é a incompatibilidade da lei com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que possui status de emenda constitucional no Brasil. A convenção reconhece a plena capacidade das pessoas com transtornos mentais ou dependência química de tomar decisões sobre sua saúde e reforça o direito de viver de forma autônoma na comunidade.

A Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006) também foi mencionada, pois retira a possibilidade de internação compulsória para usuários, priorizando o tratamento em meio aberto por equipes multidisciplinares e com acompanhamento ambulatorial. A norma municipal de Niterói, ao prever acolhimento forçado com base em “risco iminente”, amplia indevidamente as possibilidades de internação, sem observar a excepcionalidade exigida pela legislação federal.

A nota técnica expressa preocupação adicional com a falta de clareza quanto aos locais de internação previstos na lei, o que pode abrir espaço para instituições com caráter asilar – proibidas pela legislação brasileira por violarem direitos básicos de quem é internado.

População em situação de rua – Especial atenção é dada ao impacto da medida sobre a população em situação de rua, grupo social especialmente vulnerável e frequentemente alvo de políticas discriminatórias. As instituições alertam que, ao propor internações forçadas sob o pretexto de cuidado, a legislação municipal ignora a autonomia dos sujeitos e reforça a estigmatização, tratando essas pessoas como problemas a serem removidos do espaço público.

A nota cita, ainda, decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), que reafirmam os direitos fundamentais das pessoas em situação de rua e proíbem remoções e recolhimentos compulsórios. Também são mencionadas diretrizes da Política Nacional para a População em Situação de Rua e o Plano Ruas Visíveis, ambos do governo federal, que rechaçam práticas de internação forçada e priorizam a inclusão social com respeito à dignidade humana.

“O Estado deve garantir o direito à saúde por meio de serviços públicos como os CAPS, e não por meio de políticas de segregação. Internação deve ser uma medida excepcional, individual e em benefício da pessoa, jamais uma política pública com viés higienista”, concluem as instituições.

Providências – A nota técnica foi enviada ao Prefeito de Niterói, às Secretarias Municipais de Saúde, Desenvolvimento Econômico e Revitalização do Centro, Ordem Pública e Assistência Social, à Procuradoria-Geral da República (PGR) e ao Defensor Público-Geral do Estado do Rio de Janeiro, com a recomendação de que sejam adotadas providências para rever a legislação e garantir a adequação às normas constitucionais e internacionais de direitos humanos.

 

Leia a íntegra da Nota Técnica

 

Assessoria de Comunicação Social
Procuradoria da República no Rio de Janeiro
Atendimento à imprensa: (21) 3971-9570 
 

 

Fonte MPF