Incra deve concluir o processo de regularização do território quilombola Guaraciaba, em Bacabal (MA) — Procuradoria Regional da República da 1ª Região

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Comunidades Tradicionais

19 de Abril de 2024 às 17h10

Incra deve concluir o processo de regularização do território quilombola Guaraciaba, em Bacabal (MA)

Atendendo a pedido do MPF, TRF1 determinou a conclusão do procedimento de titulação da área que se arrasta há 19 anos

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Arte: Comunicação/MPF

O Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) deverá concluir, no prazo de 3 anos, o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do Quilombo Guaraciaba, localizado no município de Bacabal (MA). Após a publicação do documento, que é a primeira etapa no processo de regularização de um território quilombola, o Instituto terá um ano para finalizar as demais fases e titular o território em favor da comunidade, terminando um procedimento que começou em 2005 e está até hoje sem andamento.

Essa foi a decisão unânime da 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que acatou os argumentos apresentados pelo Ministério Público Federal (MPF). A Corte rejeitou o recurso proposto pelo Incra contra a sentença da Justiça Federal em primeira instância que já havia fixado os prazos.

Localizado a 18 km da sede do município, o quilombo foi certificado pela Fundação Palmares por meio de portaria publicada em 2006. A pedido da comunidade, o Incra abriu em 2005 o procedimento para identificar, delimitar, reconhecer e titular o território de ocupação tradicional em favor do grupo. No entanto, em 2018, nenhuma providência concreta havia sido adotada para que o procedimento tivesse andamento.

Após tentativas de conciliação, o MPF ajuizou ação civil pública contra o Instituto e contra a União, visando ao término do processo e à garantia de dotação orçamentária para que todas as etapas fossem cumpridas. Em 2022, a Justiça Federal em Bacabal atendeu aos pedidos do MPF e fixou os prazos. Porém, o Incra apresentou recurso ao TRF1, que, em acórdão publicado nesta quinta-feira (18), manteve a decisão de primeira instância.

Direitos – Em manifestação apresentada ao TRF1, o MPF lembra que os remanescentes de quilombo têm direito ao reconhecimento da propriedade definitiva dos territórios tradicionalmente ocupados, como previsto no artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Além disso, essas comunidades fazem parte do patrimônio cultural brasileiro e merecem a proteção especial do Estado, como previsto nos artigos 215 e 216 da Constituição Federal, já que retratam e preservam a cultura afro-brasileira, essencial para a formação da nossa sociedade e da identidade nacional.

Os direitos dos povos tradicionais ao território estão previstos também na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), incorporada à legislação nacional pelo Decreto nº 5.051, de 2004. “O reconhecimento e destinação de territórios tradicionalmente ocupados por descendentes de quilombolas visam à consecução de direitos constitucionalmente consagrados aos povos descendentes dos quilombos, bem como à preservação do patrimônio histórico e cultural do país”, explica o MPF.

A titulação é essencial para garantir que as comunidades tenham acesso a políticas públicas como saúde e educação, além de contribuir para a pacificação de conflitos territoriais, especialmente em áreas rurais, onde estão a maior parte dos quilombos brasileiros. O MPF aponta ainda que, embora o processo de reconhecimento de um território tradicional seja complexo, quase 20 anos de mora é um prazo excessivo, que justifica a intervenção do Judiciário com o objetivo de garantir a preservação de direitos fundamentais.

Decisão – Ao rejeitar o recurso do Incra, o TRF1 considerou que o Judiciário pode intervir quando ocorre omissão ilegal do Estado, de modo a impedir o desrespeito a direitos fundamentais. O Tribunal afastou também a alegação do Incra relativa à chamada reserva do possível, que é quando um ente público deixa de cumprir suas obrigações em razão da falta de recursos orçamentários.

Para os desembargadores, a tese não pode ser aplicada no caso, pois o processo envolve direito fundamental da comunidade à propriedade de suas terras. Com o acórdão, fica mantida a decisão da primeira instância que fixou prazo para a conclusão do procedimento. O TRF1 também aplicou multa de R$ 1 mil por mês, em caso de atraso na finalização processo.

Íntegra da manifestação do MPF

Ação Civil Pública nº 1000157-07.2018.4.01.3703

Como é o processo de regularização de um território quilombola

De acordo com o Decreto nº 4.887/03, a responsabilidade pela titulação de um território quilombola é do Incra. As regras do procedimento estão estabelecidas na Instrução Normativa Incra nº 57/2009:

– As comunidades interessadas devem encaminhar à Superintendência Regional do seu estado pedido de abertura de procedimento administrativo, apresentando a Certidão de Registro no Cadastro Geral de Remanescentes de Comunidades de Quilombos emitida pela Fundação Cultural Palmares.

– O Incra abre o procedimento administrativo para identificar, delimitar e reconhecer a área pretendida. A primeira parte do trabalho consiste na elaboração de um estudo da área, destinado à confecção do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da terra. 

– O relatório contempla diversas informações de natureza antropológica, fundiária, econômica, cartográfica, entre outras que possam subsidiar o processo de titulação da área.

– Após a elaboração do relatório, abre-se prazo para a recepção, análise e julgamento de eventuais manifestações de órgãos e entidades públicas e contestações de interessados.

– As alegações são analisadas e o relatório pode sofrer alterações. Depois da aprovação definitiva do RTID, o Incra publica uma portaria de reconhecimento que declara os limites do território quilombola.

– A fase seguinte do processo administrativo corresponde à regularização fundiária, com desintrusão (retirada) de ocupantes não quilombolas da área mediante desapropriação ou pagamento de indenização e demarcação do território.

– O processo termina com a concessão do título de propriedade ao grupo, que é coletivo e emitido em nome da associação da comunidade da área.

Fonte MPF