Comunidades Tradicionais
21 de Agosto de 2025 às 9h30
FPI do São Francisco ouve comunidade quilombola Guarani sobre impactos sociais e ambientais em Olho d’Água das Flores
Moradores relatam insegurança com possível passagem do Canal do Sertão e cobram melhorias no acesso à água, saúde e educação
Crédito: Anderson Macena/MP-AL (Ascom FPI/AL)
A Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) do Rio São Francisco visitou, na última segunda-feira, a comunidade quilombola Guarani, localizada em Olho d’Água das Flores, no Médio Sertão de Alagoas, para ouvir as principais demandas da população e identificar situações que possam comprometer direitos fundamentais.
Durante a visita, os moradores relataram apreensão quanto a informações repassadas por funcionários de uma empresa que afirmam que o Canal do Sertão pode atravessar a área do quilombo. Segundo eles, há o temor de desapropriação e perda de moradias sem garantias de indenização, além da ausência de informações claras sobre a realização da consulta prévia, livre e informada — direito assegurado às comunidades tradicionais pela legislação brasileira e tratados internacionais.
Além da insegurança fundiária, a comunidade enfrenta dificuldades no acesso a serviços básicos. A água encanada chega de forma irregular e nem todas as casas são abastecidas, especialmente no período de estiagem. O acesso à saúde também é limitado: o atendimento médico ocorre apenas de terça a sexta-feira, no posto localizado no povoado Pedrão. Quando faltam medicamentos, os pacientes precisam buscá-los na sede do município. A comunidade conta ainda com atendimento odontológico duas vezes por semana e realização de exames apenas uma vez por semana, também no posto de saúde.
Sobre a escuta realizada na comunidade, o procurador da República Eliabe Soares, titular do ofício de comunidades tradicionais do MPF em Alagoas, destacou: “A visita da FPI é fundamental para compreender de perto a realidade vivida pelas comunidades quilombolas. Esses relatos nos permitem reunir informações concretas que servirão de base para a atuação institucional, seja no diálogo com os órgãos públicos responsáveis, seja na adoção das medidas jurídicas necessárias à proteção de direitos fundamentais.”
Sustento – A comunidade Guarani é composta por 65 famílias e tem na agricultura sua principal fonte de sobrevivência. Sem acesso à irrigação, os moradores dependem das chuvas para cultivar milho e feijão, base da produção local. As mulheres quilombolas também se destacam como empreendedoras na produção de bolos, atividade que já conta com espaço próprio na comunidade. Já os homens, em sua maioria, buscam trabalho temporário em regiões do sul e sudeste do país durante o período de colheitas — realidade semelhante à vivida em outras comunidades rurais de Alagoas.
A coordenadora da Rede Mulheres de Comunidades Tradicionais e idealizadora do projeto Ominira Liberdade, Elis Lopes, explicou que essa migração masculina está diretamente ligada à falta de regularização fundiária: “Quando o território é devidamente reconhecido e delimitado, os homens permanecem na comunidade, sem precisar se submeter a condições de trabalho que muitas vezes se aproximam de uma escravidão contemporânea. Por outro lado, as mulheres preservam uma tradição ancestral, herdada de mães e avós, na produção de bolos. A intenção delas é fortalecer essa atividade, ampliando a comercialização para programas como o PNAE e o PAA, garantindo renda e autonomia para as famílias quilombolas”.
Cultura e memória – Para além da luta por direitos sociais, os moradores têm se mobilizado pela valorização da memória e das tradições. Atualmente, a comunidade trabalha na recuperação de seu histórico e na retomada de uma manifestação cultural ancestral conhecida como Samba de Quilombo. Diferente do samba popularmente conhecido, trata-se de uma expressão tradicional dos negros quilombolas, que fortalece a identidade cultural e comunitária.
Dados – A comunidade quilombola Guarani foi certificada pela Fundação Cultural Palmares em 19 de novembro de 2009 e possui imóveis rurais registrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Segundo dados de agosto de 2025, o município de Olho d’Água das Flores possui 197 famílias quilombolas inscritas no Cadastro Único, das quais 133 recebem o Bolsa Família. Além de Guarani, também está certificado no município o quilombo Gameleiro.
Com a escuta realizada pela FPI, os representantes do programa reúnem elementos para encaminhar às instituições competentes as demandas apresentadas pela comunidade, reforçando o compromisso com a dignidade e os direitos das populações tradicionais no sertão alagoano.
A atividade foi conduzida pela equipe de Comunidades Tradicionais e Patrimônio Cultural, composta por representantes do Ministério Público Federal (MPF), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Fundação Cultural Palmares, Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SDH), Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), Rede Mulheres de Comunidades Tradicionais e a ONG Agendha.
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Fonte MPF