Direitos do Cidadão
15 de Outubro de 2025 às 21h35
Familiares de vítimas pedem ao MPF respostas sobre violência policial nas favelas do Rio de Janeiro
Em audiência pública, PFDC escutou relatos de grupo de mulheres e reforçou compromisso com a garantia de direitos humanos nas operações policiais
Foto: Antonio Augusto/Comunicação MPF
“Aqui não tem ninguém contando estórias. As nossas histórias são da vida real”. A frase que soa como um grito de socorro de uma das chamadas “mães Raave”, mulheres acolhidas pela Rede de Atenção a Pessoas Afetadas pela Violência do Estado (Raave), deu o tom para audiência pública que reuniu cerca de 150 pessoas na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília, nesta quarta-feira (15). O encontro solicitado pela organização não governamental para um debate com a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão do Ministério Público Federal (PFDC/MPF), teve como objetivo promover um espaço de escuta para familiares em busca de verdade, memória, justiça e reparação diante de violações de direitos humanos pelas forças policiais do estado do Rio de Janeiro.
Criada para fornecer acolhimento e articulação entre coletivos familiares, organizações de direitos humanos, grupos clínicos, instituições de saúde, movimentos sociais e universidades, a organização Raave reuniu as mais de 100 mulheres em agendas na capital federal, com idas a órgãos de Justiça e de Estado, compartilhando suas dores e em busca de propostas de políticas de segurança pública, entre elas a federalização dos casos de violência policial no Rio de Janeiro.
Na audiência, o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Nicolao Dino, refletiu sobre a dor dessas famílias e destacou a força das mulheres que transformaram seu luto em luta. O PFDC também reforçou o posicionamento do MPF na busca por justiça e pela garantia dos direitos fundamentais das famílias. “Compartilho com todos aqui o sentimento de dor e de indignação em face a fatos violentos, inadmissíveis, e que exigem uma postura diferente do Estado brasileiro. A gente está aqui hoje para dizer não à naturalização da violência”, frisou.
A fala de Dino foi corroborada pelo PFDC adjunto, Paulo Thadeu, que reforçou o papel do MPF em defesa da dignidade humana, dos direitos de pessoas invisibilizadas e pelo respeito aos direitos humanos. “Espaços como esse são importantes para fortalecermos a nossa democracia. Segurança pública e direitos humanos podem e devem andar juntos”, refletiu.
Padrões de violação de direitos – O histórico de violência policial e violação de direitos humanos em comunidades do Rio de Janeiro é antigo, revelando um padrão recorrente e de dificuldade para garantir justiça às vítimas e suas famílias. Casos emblemáticos como a Chacina de Acari, ocorrida em julho de 1990 na Zona Norte, mostram que a letalidade de ações policiais nas favelas e ausência de responsabilização de agentes públicos estão diretamente ligadas ao racismo estrutural no Brasil.
Segundo levantamento do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, somente em 2022, o estado registrou 1.330 mortes decorrentes de intervenção de agentes. Já em 2024, o índice de mortes violentas no geral superou 3.300 casos. As estatísticas revelam que a letalidade continua concentrada nas favelas e periferias e atinge, majoritariamente, pessoas negras (cerca de 70%). Essa realidade, na avaliação do MPF, configura um grande desafio para a efetivação dos direitos humanos e do princípio constitucional à vida e à segurança pessoal.
Também presente na audiência pública, o procurador da República Eduardo Benones associou a marginalização de pessoas pretas e o nível de desigualdades das classes sociais como fatores intrínsecos à naturalização das periferias como paisagens do país. “Existe uma lógica de lei e ordem na sociedade brasileira que por uma razão estrutural se convenceu de que pretos e pobres devem estar num lugar de marginalidade. O corpo marginalizado não tem espaço na Zona Sul”, ressaltou.
Responsabilização estatal – Entre os pontos levantados pelos participantes da audiência pública está o Projeto de Lei 6.027/2025, já aprovado pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e que prevê a concessão de gratificação pecuniária a policiais civis pela chamada “neutralização de criminosos”. Nicolao Dino reiterou o posicionamento contrário do MPF diante da proposta legislativa, considerada pela PFDC como violadora dos parâmetros constitucionais e de direitos humanos.
Em setembro deste ano, o órgão solicitou ao governador Cláudio Castro que vete integralmente o PL, afirmando que a proposta estimula perigosamente a letalidade policial. “Esse é um projeto vergonhoso que deve ser rejeitado veementemente. Caso seja sancionado, iremos representar pela inconstitucionalidade da lei”, esclareceu Dino. Ele também lembrou que a proposta legislativa vai na contramão da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).
Redução da letalidade – O cenário de persistente letalidade policial no Rio de Janeiro é tema central da ADPF 635, que tramita no STF. A ação questiona a ausência de políticas públicas efetivas para redução das mortes em operações policiais e busca garantir a proteção de direitos fundamentais das populações residentes em comunidades e favelas. Desde 2020, o STF determinou que operações policiais no estado só podem ocorrer em situações excepcionais, com justificativa formal e comunicação prévia ao Ministério Público, além da adoção de medidas para preservar a vida e a integridade dos moradores.
Na audiência, o MPF se comprometeu a monitorar o desenvolvimento do plano de redução da letalidade policial determinado pelo STF, que consiste, na instalação de câmeras nos uniformes policiais, a instituição de um protocolo de comunicação das operações e as notificações ao Ministério Público sobre as operações, possibilitando seu acompanhamento. “Vamos lutar para acabar com esse estado de coisas inconstitucional”, finalizou Dino.
Confira mais fotos da audiência pública no Flickr do MPF.
Fonte MPF