Exposição no MPF/RJ destaca 25 anos de atuação na defesa dos direitos LGBTQIA+ — Procuradoria da República no Rio de Janeiro

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Abertura da mostra “Cores, Corpos e Direitos: a arte da resistência LGBTQIA+” debate avanços e a necessidade de constante vigilância contra retrocessos institucionais

O Memorial do Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro inaugurou, no último 16 de junho, a exposição “Cores, corpos e direitos: a arte da resistência LGBTQIA+”. A mostra, que ficará aberta para visitação até setembro de 2025, detalha a significativa participação do MPF nas batalhas judiciais que, ao longo dos últimos 25 anos, foram cruciais para o reconhecimento dos direitos fundamentais da população LGBTQIA+ no Brasil.
A solenidade de abertura reuniu membros do MPF, incluindo a secretária-geral do MPF, Eliana Torelly, o secretário-geral adjunto do Ministério Público da União (MPU), Paulo Santiago, a procuradora federal dos Direitos do Cidadão adjunta, Ana Padilha, além de artistas expositores como Amara Moira e representantes de organizações da sociedade civil, como Bruna Benevides, presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), e Cláudio Nascimento, do Grupo Arcoíris, um dos pioneiros no movimento organizado LGBTQIA+ no país.

O procurador-chefe da Procuradoria da República no Rio de Janeiro, Sérgio Pinel, destacou em seu discurso a importância de ir além da superação de preconceitos individuais e enfrentar também as barreiras institucionais: “Os preconceitos nessa matéria também são estruturais. A superação dos preconceitos institucionais demanda uma vigilância constante, bastando a miopia de uma única autoridade em posição chave de poder para se ter retrocessos.” Para ele, a exposição se torna ainda mais relevante por contar essa história de lutas e conquistas.
Eliana Torelly, secretária-geral do MPF, reforçou a relevância de abrir as portas da instituição, especialmente durante o Mês do Orgulho LGBTQIA+. Ela pontuou que garantir direitos não é suficiente; é fundamental garantir direitos com segurança e dignidade. “Enquanto uma pessoa trans tiver receio de usar o banheiro do sexo com o qual ela se identifica, enquanto um casal LGBT tiver receio de andar na rua de mãos dadas para não ser agredido, eu acho que nós temos ainda muito o que fazer”, destacou.
O secretário-geral adjunto do MPU, Paulo Santiago, que se identificou como pessoa LGBTQIA+ na instituição, expressou orgulho do papel histórico do MPF na conquista desses direitos, sentindo-se “muito gratificado ao constatar que muito das liberdades e muitos dos direitos que tenho hoje foram conquistados pela atuação de colegas meus”.

 Luta por direitos

Representantes da sociedade civil também compartilharam suas perspectivas. Cláudio Nascimento, do Grupo Arcoíris, relembrou um passado em que “nenhum órgão, sequer o Ministério Público, dialogava com a comunidade LGBT”, e creditou a abertura atual à persistência dos movimentos sociais em “botando o pé na porta, reclamando, questionando ao sistema de justiça”. Ele elogiou a “relação virtuosa, respeitosa e extremamente construtiva com o Ministério Público de escuta ativa” desenvolvida nos últimos 15 anos, destacando a abertura de procedimentos a partir da provocação da sociedade civil como uma “demonstração inequívoca do papel que o MP tem e pode cumprir mais ainda na defesa dos direitos”.

A procuradora federal dos Direitos do Cidadão adjunta, Ana Padilha, descreveu a exposição como “potente e simbólica” e ressaltou que a postura a favor dos direitos LGBTQIA+ não é exclusiva de áreas específicas do MPF, mas sim uma obrigação legal de “todos os procuradores e procuradoras da casa, independente da área”. Ela citou que a atuação do MPF, apesar das dificuldades, transformou a realidade de muitas pessoas, mencionando o reconhecimento da união estável para fins previdenciários e a participação na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277, que consolidou o direito à união homoafetiva.

Um dos curadores da exposição, o procurador da República Sérgio Suiama enfatizou a interconexão entre direito e arte na mostra. Ele sublinhou que, nos últimos 25 anos, “todas as conquistas de direitos humanos em matéria de pessoas LGBT passaram pelo Judiciário e consequentemente passaram pelo Ministério Público, principalmente o Ministério Público Federal”. Suiama explicou que essa atuação judicial foi frequentemente necessária devido à ausência de leis federais ou políticas públicas aprovadas pelo Legislativo e Executivo desde a Constituição de 1988. Ele citou ações emblemáticas do MPF, como a garantia de pensão por morte para casais do mesmo sexo, o combate a programas de TV homofóbicos com direito de resposta coletivo, o reconhecimento de uniões e casamento homoafetivo, a luta por procedimentos de redesignação sexual (transexualizadores) no Sistema Único de Saúde (SUS) e o enfrentamento a leis que buscam impedir a discussão de gênero e sexualidade nas escolas. Para Suiama, a exposição funciona como um memorial histórico, valoriza a liberdade de expressão artística e reconhece o papel da arte como precursora de demandas políticas e judiciais.

Invisibilidade

Bruna Benevides, presidenta da Antra, trouxe a dura realidade das pessoas trans no Brasil, lembrando que, apesar dos avanços, o país ainda possui “pelo menos 80 leis que negam direitos à comunidade trans”, o que classifica como um grave processo de institucionalização da discriminação. Ela criticou as “dificuldades e tecnicalidades” que impedem o avanço do debate jurídico sobre direitos básicos, como o uso de banheiros, afirmando que a comunidade trans “sempre ficamos na periferia dos direitos”. No entanto, Bruna ressaltou a força da luta LGBTQIA+, defendendo que ela “é uma luta que engrandece, fortalece a nossa própria democracia” e destacando a aliança com o MPF e os movimentos sociais. Ela finalizou sua participação mencionando o pedido coletivo de anistia para travestis e mulheres transexuais perseguidas durante a Ditadura Militar e reafirmando a existência e resistência de pessoas trans de todas as idades.

Lucas Costa Almeida Dias, procurador da República no Acre, também curador da exposição e coordenador do Grupo de Trabalho LGBTQIA+ do MPF, criado em 2020, reforçou a importância do apoio de aliados, incluindo pessoas cisgênero e heterossexuais, que utilizem seus espaços de poder em favor da luta LGBTQIA+. Ele apresentou dados alarmantes: apesar de conquistas civis como o casamento e a alteração de nomes, o Brasil é, há 16 anos consecutivos, o país que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo, com uma morte a cada 30 horas. E a criminalização da LGBTfobia é muito recente, datando de 2019. Para Lucas, a exposição é fundamental para o aprendizado contínuo e para reforçar a necessidade de o Estado reconhecer e coletar dados oficiais sobre a população LGBTQIA+, incluindo informações sobre violências, a fim de subsidiar a formulação de políticas públicas eficazes de segurança e acesso a direitos.

Resistência, identidade e subversão

Amara Moira, escritora trans, ativista e doutora em teoria literária, proporcionou uma perspectiva histórica profunda sobre a resistência e perseguição à comunidade LGBTQIA+. Ela iniciou falando sobre o Bajubá, a língua criada pelas travestis nas ruas como ferramenta de resistência, identidade e subversão. Amara abordou a perseguição histórica às travestis, mencionando o êxodo para a Europa em busca de segurança e o uso da “contravenção penal da vadiagem” como instrumento de prisão e extorsão. Ela trouxe à tona um relato de 1551 sobre mulheres indígenas que viviam como homens e reagiam violentamente ao serem chamadas de mulheres, sugerindo um tempo em que transfobia tinha pena de morte. Amara Moira também mencionou as Ordenações Manuelinas e Filipinas, leis que por 300 anos previam a morte na fogueira para “sodomitas” e a destruição de sua memória, conectando essa história à naturalização do preconceito na sociedade atual: “As pessoas não nascem desejando ódio contra LGBTs. Elas foram ensinadas a isso”, enfatizando a importância de conhecer o passado para desnaturalizar tais sentimentos.

A curadora do Memorial do MPF/RJ e da exposição, a procuradora da República Fabiana Schneider, sublinhou o papel crucial da estética na formação do olhar e na atribuição de valor às coisas. Ela destacou que “em tempos de retrocessos é que se torna ainda mais importante a gente refletir sobre as mais variadas temáticas”, como a LGBTQIA+. Fabiana observou a coincidência de múltiplas exposições sobre o tema em outras instituições, indicando um “espírito de época” e a necessidade de “formação de novos olhares” e “uma nova estética, para que a gente enxergue o diverso como apenas diverso. Basta respeitar”. Ela utilizou uma analogia biológica para ilustrar a força da diversidade, comparando-a à natureza: “Quanto mais diverso é o meio ambiente, mais forte ele se torna,” aplicando essa ideia à sociedade e à importância de valorizar a pluralidade humana.

Exposição

A exposição “Cores, corpos e direitos: a arte da resistência LGBTQIA+” está aberta ao público de segunda a sexta-feira, das 12h às 17h, no Memorial da Procuradoria da República no Rio de Janeiro, localizado na Av. Nilo Peçanha, 31, 6º andar – Centro. A entrada é gratuita. Para agendamento de visitas guiadas para grupos, o contato deve ser feito pelo e-mail prrj-memorial@mpf.mp.br. A mostra é uma oportunidade de conhecer a história da luta por direitos LGBTQIA+ no Brasil, o papel do MPF nessas conquistas e a força da arte como forma de resistência e expressão.

“Cores, corpos e direitos: a arte da resistência LGBTQIA+”

Quando: até setembro de 2025
Horário: segunda a sexta, 12h às 17h
Local: Memorial da Procuradoria da República no Rio de Janeiro Av. Nilo Peçanha, 31, 6º andar – Centro – Rio de Janeiro
Agendamento de visitas guiadas para grupos: prrj-memorial@mpf.mp.br

Fonte MPF