Direitos do Cidadão
24 de Outubro de 2025 às 16h17
Escuta pública promovida pelo MPF revela oposição massiva à privatização da saúde no Pará
Trabalhadores e usuários denunciam sucateamento deliberado do SUS, violações trabalhistas e cobram ações urgentes

Escuta pública sobre privatização da saúde no Pará, na sede do MPF, em Belem (PA), em 22/10/2025. Foto: Comunicação/MPF.
Uma escuta pública realizada nesta quarta-feira (22) pelo Ministério Público Federal (MPF), em Belém (PA), expôs um cenário alarmante sobre a privatização da saúde no Pará. Durante mais de quatro horas, profissionais de saúde, usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), representantes de conselhos de classe e sindicatos apresentaram denúncias graves sobre a deterioração dos serviços públicos e os impactos negativos da gestão por Organizações Sociais (OSs), descrevendo o processo como um “desmonte do SUS”.
A escuta teve como objetivo avaliar se o modelo de privatização atende ao interesse público, se melhorou a qualidade do atendimento e se os recursos federais estão sendo bem aplicados. Para os participantes, a privatização fracassou em todos os quesitos avaliados.
Sucateamento deliberado – O argumento central que emergiu dos depoimentos é que a precarização dos hospitais públicos não é acidental, mas parte de uma estratégia política deliberada para justificar a transferência dos serviços à iniciativa privada, um sentimento reforçado por exemplos históricos de privatizações malsucedidas em outros setores.
“A prefeitura está sendo perversa com o ser humano, perversa com o servidor, perversa com as pessoas”, denunciou uma servidora. Outros servidores relataram falta crônica de insumos básicos, como álcool, lençóis, curativos e reagentes de laboratório.
A falta de concursos públicos leva a escalas descobertas e sobrecarga extrema dos profissionais, que têm adoecido sob a pressão — foram relatados casos de infarto e Acidente Vascular Cerebral (AVC) entre funcionários em uma única semana. Em denúncia específica, foi relatado que serviços já terceirizados, como o de nutrição, chegaram a entregar alimentos estragados a pacientes.
Símbolo da resistência – O Pronto-Socorro Municipal (PSM) Mário Pinotti, conhecido como PSM da 14 de Março, com 105 anos de funcionamento ininterrupto, emergiu como o principal símbolo da luta contra a privatização. Segundo participantes da escuta pública, a unidade é a única porta de entrada para urgências e emergências de alta complexidade que atende não apenas Belém, mas todo o estado do Pará, sendo referência em traumatologia, ortopedia, neurologia e cirurgia geral.
Segundo servidores, a unidade possui o “único tomógrafo que existe dentro de Belém para atender a população”, realizando cerca de 6 mil exames mensais, volume que nenhuma rede privada atinge.
Há rumores de que a prefeitura planeja fechar o hospital em 30 de novembro, após a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que ocorrerá em Belém. “Privatizar aquele lugar é matar pessoas. A palavra é matar pessoas. Vai morrer gente, muita gente no meio da rua”, alertou uma servidora.
O contraste com unidades privatizadas é gritante, segundo os depoimentos: o Pronto Socorro do Bengui, recentemente inaugurado sob gestão privada, fechou as portas por três dias devido à superlotação — algo que o PSM da 14 nunca fez em mais de um século.
Privatização não trouxe eficiência – Contrariando o discurso oficial, os participantes apresentaram evidências de que a privatização encareceu o sistema e piorou o atendimento. As Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) privatizadas foram descritas como incapazes de resolver problemas, operando sem medicamentos, exames ou equipes completas, o que resulta no encaminhamento de pacientes para os prontos-socorros públicos.
Uma servidora do PSM do Guamá afirmou que unidades recém-entregues a Organizações Sociais em Saúde (OSS) já enfrentam falta de insumos e redução de pessoal, com trabalhadores demitidos sem receber seus direitos.
O representante do Conselho Regional de Medicina (CRM) descreveu uma visita fiscalizatória ao Hospital Oncológico Infantil, onde flagrou que a manipulação de alimentos para crianças imunodeprimidas estava sendo feita dentro de uma enfermaria, funcionários trocavam de roupa em locais inadequados e uma dentista atendia sem equipamentos básicos, além de haver intimidação para que os problemas não fossem relatados.
Uma denúncia técnica apontou que, enquanto o serviço público é ressarcido pela tabela do SUS, as OSS utilizam a Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos (Tunep), com valores maiores. Uma cirurgia de vesícula, por exemplo, gera ressarcimento de R$ 1 mil pela tabela SUS, mas de R$ 2,8 mil pela Tunep.
“Não existe um problema de gestão. O que existe é uma escolha de gestão. A escolha da gestão desses senhores é transformar a saúde num espaço de feitura de currais eleitorais e de desvios de muito dinheiro”, afirmou representante do Fórum de Entidades de Belém. Os contratos com as OSS foram criticados pela opacidade, com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o CRM relatando que as entidades se recusam a apresentá-los para análise.
Precarização do trabalho – A transferência da gestão para OSS foi associada a um ataque aos direitos trabalhistas. Profissionais denunciaram a “pejotização”, contratos temporários, banco de horas negativo, escalas de 12×36 e 6×1, assédio moral, fraudes em pagamentos e anos sem reajuste.
Participantes também denunciaram que a regulação de leitos é usada como moeda de troca política, transformando um direito em “curral eleitoral”, com suspeitas de que políticos sejam os verdadeiros donos de muitas OSS.
Ausências marcantes – A ausência de representantes da Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará (Sespa), da Secretaria de Saúde do Município de Belém (Sesma), da Superintendência Estadual do Ministério da Saúde, do prefeito de Belém e de parlamentares foi duramente criticada. “Isso mostra o descaso, descaso mesmo com o serviço público”, afirmou um representante do Conselho Regional de Biomedicina. A OAB prometeu provocar o município e o estado a darem satisfações.
Presentes na mesa de debates, além do MPF, estavam a representante do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), promotora de justiça Elaine Castelo Branco, e da Defensoria Pública do Estado (DPE-PA), a defensora pública Luciana Silva Rassy Palácios.
Ministério Público Federal no Pará
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Fonte MPF


