Direitos do Cidadão
12 de Julho de 2024 às 18h10
Em resposta a nota técnica da PFDC, Ministério da Educação reconhece importância da adoção de cotas para pessoas trans em universidades
Ação afirmativa deve ser acompanhada de políticas para permanência de estudantes no ensino superior e acesso ao mercado de trabalho
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A adoção de um sistema de cotas específico para pessoas transgênero nas universidades públicas é ferramenta importante para garantir a inclusão desse grupo, e as instituições de ensino podem ofertar as vagas diretamente, com base no princípio da autonomia universitária, previsto no art. 207 da Constituição Federal. Esse é o entendimento da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), em resposta à nota técnica expedida pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) sobre o direito de acesso à educação e ao mercado de trabalho para pessoas trans Brasil.
O posicionamento do MEC destaca ainda que, além de possibilitar o ingresso na universidade, é preciso desenvolver políticas públicas e ações afirmativas que garantam aos estudantes os meios de continuar no curso até a sua conclusão e a empregabilidade posterior.
Expedida em janeiro deste ano, a Nota Técnica PFDC n° 1/2024 defende a adoção das cotas para pessoas transgênero em universidades e concursos públicos como forma de diminuir as desigualdades e dificuldades enfrentadas por esse grupo na busca por educação e emprego. Enviado também aos Ministérios dos Direitos Humanos e da Cidadania, do Trabalho e Emprego e à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), o documento traz uma série de dados e pesquisas relativos ao grupo, elenca o histórico das ações afirmativas no Brasil e detalha os dispositivos legais que embasam o pedido.
Dados – A PFDC reafirma que as cotas são um dos “vários mecanismos legais e legítimos utilizados em muitas partes do mundo como forma de compensação social a grupos historicamente oprimidos, discriminados, invisibilizados e marginalizados”. No caso da população trans, as informações disponíveis traduzem o quadro de exclusão. Pesquisa realizada pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) aponta que, dos 424 mil estudantes matriculados nas universidades públicas federais, apenas 0,1% se declarou homem trans e 0,1%, mulher trans. Além disso, em 2019, somente 12 das 63 universidades federais brasileiras contavam com cotas específicas para pessoas transgênero, o que corresponde a apenas 19% do total.
Já levantamento realizado em 2021 pelo Centro de Estudo de Cultura Contemporânea (Cedec), que entrevistou 1.788 transexuais na cidade de São Paulo, mostrou que apenas 51% declararam ter completado o ensino médio e 27,1%, o ensino superior. O mercado de trabalho é escasso para travestis e mulheres trans: 90% das pessoas que responderam à pesquisa afirmaram viver da prostituição, enquanto 72% realizam trabalho informal (“bico”). A pesquisa também comprovou a baixa expectativa de vida desse grupo de vulneráveis: 70% dos entrevistados não ultrapassaram 35 anos.
O cenário contraria a Constituição Federal, que estabelece a igualdade e a não discriminação como princípios fundamentais da República (art. 3º), como lembra a PFDC. Os objetivos estão previstos também em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (arts. 1º e 7º) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (art. 26). E, com base no princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º), o sistema de cotas representa um mecanismo prático que minimiza as desigualdades entre os indivíduos, com o propósito de possibilitar que todos tenham acesso aos seus direitos. Esse entendimento está validado pelo STF, que já afirmou a constitucionalidade das cotas no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 186/DF.
“A criação de oportunidades específicas para as pessoas trans é um caminho necessário para que haja não apenas o cumprimento da legislação nacional e internacional que garante a paridade de oportunidades. Trata-se de uma justa forma de tratar de maneira congruente com o princípio da igualdade material esse segmento social tão espoliado”, defende a PFDC.
Políticas públicas – De acordo com a análise feita pela Secretaria de Ensino Superior do MEC em resposta à nota técnica, “as instituições de educação superior públicas, amparadas no princípio constitucional da autonomia universitária, podem ofertar vagas em seus cursos de graduação para as pessoas transgêneros e travestis”, como algumas já fazem. Para isso, basta que elas definam os critérios de seleção e os informem nos editais próprios dos vestibulares ou à instância competente se forem utilizados de outros meios de oferta das vagas, tais como o Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
De acordo com o MEC, a criação de qualquer política de ação afirmativa – seja diretamente pelas universidades, no exercício de sua autonomia, seja por lei aprovada pelo Congresso Nacional – deve estar amparada em estudos, de modo que seja possível garantir não apenas o ingresso na educação superior, mas a permanência das pessoas beneficiadas nos cursos universitários e o acesso ao mercado de trabalho após a sua conclusão. E destaca que, em complemento às vagas específicas, as pessoas trans podem concorrer às vagas de cotas destinadas a outras categorias (pessoas pretas e pardas, com deficiência, oriundas de escola pública, de baixa renda, etc), uma vez que os critérios têm alcance universal e atendem a diversos grupos.
“O tema da inclusão das pessoas transgêneros e de outros grupos de pessoas LGBTQIAPN+ que se encontram em situação de exclusão deve ser aprofundado no âmbito de toda a Administração Pública, de forma a ensejar, sempre que for o caso, a instituição de políticas públicas apropriadas aos grupos que pretendem alcançar, com respeito ao princípio da legalidade, e demais princípios constitucionais e aqueles que regem a Administração Pública, com a finalidade de se alcançar um país mais justo e que possa ofertar as condições de existência digna a todos os seus cidadãos”, conclui o despacho do MEC.
Fonte MPF