Em evento no MPF, lideranças de comunidades tradicionais apontam riscos da Ponte Salvador-Itaparica — Procuradoria da República na Bahia

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Comunidades Tradicionais

17 de Junho de 2025 às 12h45

Em evento no MPF, lideranças de comunidades tradicionais apontam riscos da Ponte Salvador-Itaparica

Principais queixas foram a falta da consulta prévia, livre e informada e o risco de degradação dos espaços sagrados, do modo de vida tradicional e do ecossistema

No auditório do MPF, um homem indígena com cocar de penas azuis, pretas e brancas, colar e saia de palha discursa ao microfone em pé, à frente de uma mesa composta por oito pessoas. Os demais participantes estão sentados atrás de uma bancada de madeira, com placas de identificação. Ao fundo, há bandeiras do Brasil e da Bahia.


Fotos: Comunicação MPF/BA

Aproximar os povos das comunidades tradicionais dos representantes do governo e do consórcio e discutir sob a perspectiva dos povos e comunidades tradicionais os impactos da Ponte Salvador-Itaparica. Esse foi o objetivo da audiência pública realizada pelo Ministério Público Federal (MPF), na última quarta-feira (11), na sede da Procuradoria da República, em Salvador.

O evento foi conduzido pelos procuradores da República Marcos André Carneiro da Silva e Ramiro Rockenbach e tratou do empreendimento que é resultado de Parceria Público-Privada proposta pelo governo baiano e executado pelo Consórcio Ponte Salvador-Itaparica. Estiveram presentes lideranças de comunidades tradicionais de Salvador, Itaparica e Vera Cruz, pesquisadores e especialistas na área, além de representantes do consórcio, de órgãos públicos e de organizações da sociedade civil.

No início do debate, o procurador Marcos André Carneiro da Silva informou que a audiência foi marcada para atender a um pedido dos próprios representantes das comunidades. “Já ocorreram reuniões e audiências públicas na Ilha de Itaparica, mas havia um pedido para que o Ministério Público fizesse uma audiência pública”, afirmou. Dessa forma, ele destacou que o momento seria para ouvir os anseios, as dúvidas, as preocupações, as discordâncias e as necessidades das comunidades impactadas, bem como questionamentos e pedidos de
informações a órgãos públicos.

Irregularidades – A audiência durou 6h30 e teve mais de 40 inscritos para manifestações, além das falas dos 17 integrantes das duas mesas de honra. As lideranças e os representantes da sociedade civil manifestaram-se contra a construção da ponte e contra a maneira como o projeto vem sendo executado. As principais questões apontadas foram:

  • falta da consulta prévia, livre e informada aos povos e comunidades tradicionais (pcts) – conforme determinado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário;
  • custo com pedágio para moradores da ilha;
  • falta de estrutura básica na ilha para receber novos moradores – o número deve triplicar com a construção da ponte;
  • dificuldade nos processos de regularização fundiária de terras originais e de comunidades tradicionais;
  • desocupação de terreiros e a perda de espaços considerados sagrados que são utilizados para a prática religiosa;
  • especulação imobiliária;
  • aumento do racismo e da intolerância religiosa;
  • degradação do meio ambiente afetando, incluindo manguezais, áreas de pesca e de mariscagem, o que traz prejuízos à economia e ao modo de vida de aquicultores, pescadores, marisqueiras e de todos que se utilizam desses meios para a sua subsistência e prática cultural.

Foto dos representantes de terreiro à mesa solene, e um dele em pé fala ao microfoneDurante o evento, uma das lideranças representativa dos povos de terreiro criticou a falta da consulta prévia aos moradores da ilha. “Como é que vai se fazer uma obra deste porte e as comunidades tradicionais que têm seus sagrados em determinados lugares não são consultadas?”, questionou. Um representante dos pescadores reforçou a importância de o Estado seguir a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que exige a consulta a comunidades afetadas por grandes empreendimentos. “O Estado tem que consultar as comunidades, principalmente em obras grandes que causarão impactos profundos”, pontuou.

As lideranças também manifestaram preocupação com a ausência de infraestrutura básica na Ilha de Itaparica para suportar o aumento populacional previsto, citando a carência de soluções para abastecimento de água, saneamento, energia e regularização fundiária.

Em sua fala, o representante da Concessionária Ponte Salvador-Itaparica reafirmou o compromisso de diálogo da empresa com as comunidades. Ele assegurou que o traçado da ponte é flexível e sensível às questões ambientais e ao patrimônio imaterial e cultural, buscando minimizar impactos para os povos e comunidades tradicionais da Ilha. Além disso, esclareceu que não haverá pedágio dentro da ilha para a circulação de moradores. O representante enfatizou que cerca de dez milhões e meio de baianos serão diretamente beneficiados pelo projeto.

Questionado sobre a fase atual do projeto, o representante da Secretaria de Infraestrutura do Estado da Bahia confirmou que ele está pronto, mas ressaltou a possibilidade de modificações. “Se durante o processo de oitivas for identificado que o projeto tem uma determinada interferência, que precise ser deslocado em algum ponto, nós faremos”, completou, indicando a abertura para ajustes com base nas demandas das comunidades.

Fonte MPF