Direitos do Cidadão
7 de Fevereiro de 2025 às 15h46
Em audiência pública do MPF, ambulantes denunciam omissão da prefeitura do Rio de Janeiro e violência da guarda municipal
Evento debateu políticas públicas para os camelôs na cidade
Foto: Comunicação/MPF
O relato de Maria Pereira sobre a perda do seu modo de sustento é o ponto de partida para entender a luta dos trabalhadores ambulantes no Rio de Janeiro. Há cinco anos, ela teve seu box, na rua Nelson Mandela em Botafogo, tirado pela prefeitura, sem aviso prévio. Maria, que trabalhava desde as 5h da manhã, vendendo bolos e salgados, viu seu ganha pão ser destruído. A perda do negócio a deixou em depressão e com problemas de saúde, como hipertensão e diabetes. O caso de Maria Pereira ilustra a condição enfrentada por muitos ambulantes no Rio de Janeiro. Apesar das circunstâncias, ela segue lutando por seus direitos e os de outros camelôs.
Essa realidade motivou uma audiência pública promovida pelo Ministério Público Federal (MPF), na última quarta-feira (5) no auditório da Procuradoria da República no Rio de Janeiro (PR/RJ), com o objetivo de debater políticas públicas para esses trabalhadores. O evento, que contou com a presença de diversas autoridades, abordou temas como a violência institucional, a falta de regulamentação, o papel da Guarda Municipal e a necessidade de diálogo.
Durante a audiência, os trabalhadores relataram casos de violência e abuso pela Guarda Municipal, a burocracia e a falta de transparência nos processos de licenciamento, e a divergência entre a percepção dos ambulantes e a versão da Guarda. Foi defendida a necessidade de políticas públicas, regulamentação do setor e um diálogo aberto entre todas as partes.
Durante a sua fala, Maria dos Camelôs, representante do Movimento Unido dos Camelôs (Muca), enfatizou a difícil situação enfrentada pelos trabalhadores informais, especialmente as mulheres que buscam sustento nas ruas após saírem de relacionamentos abusivos. “Apesar de as leis que deveriam regularizar o trabalho dos camelôs, a prefeitura não as cumpre, deixando muitos sem espaço para guardar suas mercadorias. Camelô é trabalhador e a gente estará na luta todos os dias brigando e lutando pelo nosso direito”, concluiu.
A audiência, que teve a presença de mais de 80 pessoas, foi conduzida pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão adjunto, Julio José Araujo Junior. Além dele, compuseram a mesa de trabalho a defensora pública Fernanda de Souza Lima, do Núcleo de Diretos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, o diretor de operações da Guarda Municipal do Rio de Janeiro, Marcelo Furtado, a representante do Movimento Unido dos Camelôs (Muca), Maria dos Camelôs, e o dirigente do Sindinformal, Idson José da Silva. A Prefeitura do Rio de Janeiro não mandou representante para o debate.
Outro tema abordado foi a falta de transparência no cadastramento dos trabalhadores ambulantes e o mapeamento dos locais. Para a defensora pública Fernanda de Souza Lima saber onde os camelôs atuam são passos essenciais para que eles possam trabalhar com segurança e sem medo de serem removidos. Além disso, a criação de centros de referência poderia oferecer suporte e recursos para esses trabalhadores.“É crucial também abordar a violência institucional e estabelecer protocolos que evitem conflitos, promovendo uma atuação mais humanizada e respeitosa. A escuta ativa e o diálogo com os ambulantes são fundamentais para construir políticas públicas que realmente atendam às suas necessidades e garantam seus direitos”, destacou.
Todas as informações colhidas na audiência pública serão usadas pelo MPF para instruir o procedimento em curso desde 2022 sobre o tema. “O MPF reafirma seu compromisso de fiscalizar as ações do poder público, buscando soluções para garantir a dignidade e o respeito aos trabalhadores ambulantes”, destacou o procurador Julio Araujo, que convocou a audiência.
O presidente do Sindinformal, Idison José da Silva, destacou a importância do apoio do MPF e da Defensoria Pública na luta pela organização da categoria. Ele ressaltou a necessidade de unir forças para alcançar o objetivo comum de dignidade para os trabalhadores, reconhecendo as dificuldades enfrentadas ao longo do processo. “Este é um momento crucial para discutir questões delicadas e buscar resoluções que fortaleçam a caminhada da categoria em direção à sua organização”, ressaltou.
Ao final, foram definidos encaminhamentos importantes, como a investigação de casos de violência, a criação (ou atualização) de um protocolo de atuação da Guarda que respeite os direitos dos trabalhadores, a regulamentação do comércio ambulante, a criação de centros de referência e a garantia de acesso a banheiros. Também foi enfatizada a importância de revisar a legislação sobre o comércio ambulante e o não armamento da Guarda Municipal, além de averiguar a possibilidade de utilização de imóveis da união para a criação de centros de referência.
Marcelo Furtado, diretor de operações da Guarda Municipal do Rio de Janeiro, expressou a importância do diálogo e da colaboração durante a audiência, destacando que a Guarda não está presente para reprimir os trabalhadores, mas sim para cumprir as normas estabelecidas pela prefeitura. “A Guarda Municipal, na verdade, ela não tá aí para bater em camelôs, para reprimir qualquer tipo de cidadão que precisa trabalhar”, ponderou.
Recomendação – Em dezembro de 2023, o MPF enviou uma recomendação à Secretaria Municipal de Ordem Pública e ao Comando da Guarda Municipal do Rio de Janeiro que elaborassem um conjunto de medidas de planejamento para criar um protocolo de atuação da Guarda Metropolitana, incluindo o uso de câmeras acopladas aos uniformes dos agentes de segurança. A medida buscava tanto aprimorar a atuação de polícia administrativa quanto prevenir a ocorrência de atos de violência contra vendedores ambulantes.
Após recomendação do MPF, reuniões com o poder público municipal e representantes dos camelôs confirmaram os problemas nas políticas voltadas para o trabalho informal. Alguns avanços foram obtidos, mas ainda são insuficientes para uma melhora do cenário.
Procedimento n. 1.30.001.001192/2022-91
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Fonte MPF