Direito à consulta prévia não pode ser tratado como mera formalidade, destacam membros do MP em evento no Pará — Procuradoria da República no Pará

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Comunidades Tradicionais

18 de Junho de 2025 às 17h33

Direito à consulta prévia não pode ser tratado como mera formalidade, destacam membros do MP em evento no Pará

Alerta foi feito em lançamento de nota técnica sobre a efetivação do direito à consulta frente ao mercado de carbono

Foto de evento no auditório do MPF em Belém, que tem paredes de madeira clara. No palco, um painel de palestrantes está sentado em uma mesa, enquanto uma tela de projeção exibe outra participante por videochamada. O público, visto de costas, assiste à apresentação a partir das cadeiras da plateia. Ao lado do palco, há bandeiras hasteadas, incluindo a do Brasil.


Lançamento da nota técnica da organização Terra de Direitos sobre violações ao direito dos povos e comunidades tradicionais à Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI), na sede do MPF em Belém (PA), em 17/6/2025. Foto: Comunicação/MPF

Membros do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) reforçaram, nesta terça-feira (17), em Belém (PA), que o direito de povos e comunidades tradicionais à Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) não pode ser tratado como uma mera formalidade. De acordo com a legislação, os responsáveis por projetos com potencial de impactar os modos de vida desses povos devem consultá-los desde as etapas iniciais, conforme suas próprias tradições e formas de organização.

O alerta foi feito durante o evento de lançamento de uma nota técnica da organização Terra de Direitos sobre violações impostas ao direito à CPLI pelo governo do Pará. As violações foram identificadas na proposta de implementação de um sistema jurisdicional de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (Redd+) no estado e no licenciamento ambiental de instalações portuárias na região do rio Tapajós.

“A CPLI ainda é vista como uma etapa burocrática em um processo previamente decidido, o que é lamentável”, criticou o procurador da República Oswaldo Poll Costa. A promotora de Justiça Eliane Moreira, que participou do evento representando a Promotoria de Justiça em que atua, ponderou no mesmo sentido: “A consulta prévia é uma coisa séria, não é uma aventura”. O evento foi realizado na sede do MPF na capital paraense e contou com a participação de lideranças de povos e comunidades tradicionais, além de representantes de órgãos dos Poderes Executivo e Legislativo.

A Consulta Prévia, Livre e Informada – A nota técnica da organização Terra de Direitos frisa a importância da CPLI como ferramenta essencial para a efetivação dos direitos fundamentais dos povos e comunidades tradicionais. Previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, o direito à CPLI garante não apenas o respeito à autodeterminação e à livre definição das prioridades de desenvolvimento desses povos, mas também a proteção efetiva de seus territórios, culturas e modos de vida.

O documento ressalta que a consulta não se resume a ouvir um número limitado de lideranças ou entidades representativas, nem se faz por audiência ou consulta pública. Ela tem seu próprio rito e deve ser feita mediante procedimentos apropriados, de modo que os povos interessados possam participar livremente.

A consulta aos povos e comunidades tradicionais, conforme estabelecido pela Convenção 169, deve atender a três princípios fundamentais: prévia, livre e informada. Isso implica que o processo de consulta deve ser cuidadosamente planejado e executado para garantir uma participação genuína e efetiva das comunidades afetadas, indica a Terra de Direitos, que foi representada no evento pelas assessoras jurídicas Selma Corrêa e Suzany Brasil e pelo coordenador da organização, Darci Frigo. A nota técnica enfatiza ainda que a consulta deve respeitar os métodos tradicionais de tomada de decisão de cada comunidade, reconhecendo suas especificidades culturais.

Os povos tradicionais devem ser consultados desde as etapas iniciais de qualquer projeto de desenvolvimento ou investimento que possa impactá-los, de acordo com suas próprias tradições e formas de organização. A consulta deve ocorrer com a devida antecedência, garantindo tempo hábil para que as comunidades realizem discussões internas e possam oferecer uma resposta informada ao Estado, aponta o estudo.

“Cabe ao Estado assegurar que esses povos tenham pleno conhecimento dos riscos e impactos potenciais, tanto positivos quanto negativos, inclusive nas dimensões ambiental, sanitária, social, econômica e climática. A decisão sobre a aceitação ou não do projeto deve ser tomada de forma livre, informada e voluntária, com base em informações claras e acessíveis”, destaca o estudo.

A CPLI não se confunde com outros mecanismos de participação social, como audiências públicas, reuniões ou assembleias. Enquanto esses instrumentos visam garantir a participação da população em geral e das “associações representativas dos diversos segmentos da comunidade”, a consulta prévia é um direito exclusivo dos povos indígenas, quilombolas e tradicionais. “Trata-se de um procedimento culturalmente adequado, que deve respeitar as leis, os costumes, as tradições, a organização social e política dos grupos consultados, tal qual suas formas específicas de representação”, reforça a Terra de Direitos.

“A implantação do sistema Redd+ jurisdicional pelo estado do Pará apresenta a proposta de redução na emissão dos gases do efeito estufa, ao mesmo tempo em que promete que parte dos recursos financeiros de venda será destinada aos territórios. Todavia, esse modelo de redução de emissões traz consigo uma série de limitações e restrições à gestão do uso dos territórios e autonomia das comunidades, o que precisa ser analisado à luz do direito à consulta livre, prévia, informada e de boa-fé”, aponta outro trecho do estudo.

Critérios para a realização da consulta – A nota técnica detalha os critérios próprios que devem estar presentes para que se considere a realização da consulta prevista na Convenção 169 da OIT:

 – Prévia: A consulta deve ocorrer antes de qualquer etapa administrativa ou legislativa de um projeto que possa afetar as comunidades, permitindo que expressem sua opinião, consintam ou não, e proponham medidas de mitigação.

 – Livre: As comunidades não podem ser coagidas ou desfavorecidas. Devem ter autonomia total para decidir sobre seu futuro, o que inclui o direito de veto à proposta, garantindo o verdadeiro consentimento.

 – Informada: É fundamental que as comunidades recebam todas as informações necessárias sobre os riscos, impactos e benefícios do projeto com antecedência e de forma clara e compreensível, para uma decisão consciente.

 – De boa-fé: O processo de consulta deve ser justo e transparente, sem condicionar direitos básicos (como titulação de terras, saúde ou educação) à aprovação de projetos. Não se pode explorar desigualdades sociais para obter consentimento.

 – Conforme protocolos próprios: A consulta deve respeitar os métodos, planos e procedimentos estabelecidos pelas próprias comunidades, garantindo sua autodeterminação e o respeito aos seus modos de vida. Ignorar esses protocolos viola o direito das comunidades de definir como querem ser ouvidas.

Recomendações – A nota técnica recomenda que o estado do Pará reconheça e garanta a realização da CPLI nos termos da Convenção 169 da OIT a todos os povos e comunidades tradicionais que serão impactados pela implantação do sistema Redd+ jurisdicional. À Assembleia Legislativa do Estado, a recomendação é que reconheça a natureza autoaplicável do direito à CPLI e atue para conter iniciativas legislativas que busquem restringir ou regulamentar esse direito de forma a esvaziar sua efetividade, e também impeça o avanço de propostas que violem os direitos territoriais, culturais e sociais dos povos e comunidades tradicionais.

Aos Conselhos Nacional e Estadual de Direitos Humanos, a nota técnica recomenda que os órgãos acompanhem a potencial violação de direitos humanos em decorrência da implantação do Redd+ e do processo de licenciamento de portos no Tapajós, garantindo a proteção dos povos e comunidades tradicionais. Por fim, o estudo recomenda que a cada povo e comunidade tradicional do estado seja assegurado o direito à consulta livre, prévia e informada, de forma que sejam ouvidos, respeitados e tenham sua participação garantida diante de qualquer medida administrativa ou legislativa, projeto ou programa que possa impactar suas vidas, modos de existência e territórios.

 

Íntegra da nota técnica

 

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Fonte MPF