debate aponta que situação precária da educação no campo no Pará é obstáculo à justiça climática — Procuradoria da República no Pará

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Meio Ambiente

25 de Novembro de 2025 às 17h30

COP30: debate aponta que situação precária da educação no campo no Pará é obstáculo à justiça climática

“Cada escola salva é um território protegido”, ensinou o ativista João do Clima no final das atividades do MPF no evento

COP30: debate aponta que situação precária da educação no campo no Pará é obstáculo à justiça climática

Foto: Vam Gonçalves/MPF

Sem educação ambiental de base comunitária não existe solução climática possível. Por isso, cada escola salva é um território protegido e cada jovem educado na Amazônia é semente de justiça climática plantada no coração da floresta.” O ensinamento é do estudante de Belém (PA) João Victor da Silva, o João do Clima, o mais novo jovem ativista do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), lido durante o debate “Educação no campo como estratégia de litigância climática”. O debate encerrou os eventos promovidos pelo Ministério Público Federal (MPF) na Zona Verde da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), na capital paraense, na sexta-feira (21). A manifestação resumiu os principais posicionamentos apresentados por lideranças de povos e comunidades tradicionais, educadores, estudantes e membros do MPF.

O evento transformou-se em um espaço de denúncias contra diversas ações e omissões que prejudicaram a educação pública com o objetivo de esvaziar territórios, enfraquecendo-os diante do assédio de grandes empreendimentos e da exploração predatória da floresta. Para o MPF, a conclusão é inequívoca: não existe combate às mudanças climáticas sem a manutenção do povo no campo. Isso porque os povos tradicionais da floresta, do campo e das águas são os verdadeiros guardiões do clima e do futuro, sendo a principal ferramenta para que isso aconteça a implementação de uma educação de qualidade, diferenciada e intercultural, que possa promover a fixação das futuras gerações em seus territórios e a manutenção de seus modos de vida.

A captura do orçamento O jornalista Adriano Wilkson, que cobriu a crise educacional no estado, apresentou um relato contundente sobre a gestão de recursos públicos. Ele detalhou como a Lei estadual no 10.820/2024, revogada após a ocupação da Secretaria de Estado da Educação (Seduc) por povos e comunidades tradicionais, visava formalizar a transferência de orçamento público para interesses privados.

Wilkson citou o projeto Centro de Mídias da Educação Paraense (Cemep), criado pelo ex-secretário estadual de Educação Rossieli Soares, que contratou um estúdio para transmissão de aulas sob o pretexto de eficiência e redução de custos que, segundo a apuração, não ocorreram. O jornalista denunciou contratos superfaturados para levar internet a locais distantes sem justificativa técnica e a desarticulação do centro de formação municipal Paulo Freire.

Desarticularam o centro formado por pedagogos locais para contratar uma organização não governamental de São Paulo ligada ao grupo político de Rossieli”, afirmou Wilkson. Ele alertou que essa política ainda continua na esfera municipal, replicando o modelo de terceirização na capital.

Mulher sentada com camisa estampada verde e branca, falando em um microfone, com outras pessoas em segundo plano.
Foto: Comunicação/MPF

Ameaças prosseguem Lideranças indígenas relataram que a vitória obtida com a revogação da lei que impunha o ensino virtual não encerrou as ameaças. Auricélia Arapiun, do Baixo Tapajós, denunciou a inexistência de escolas indígenas estaduais em sua região, dependendo de um ensino modular municipalizado precário. Ela criticou o estado por manter um Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) alto artificialmente, aprovando alunos durante a pandemia sem que houvesse estudo real.

Sobre o novo Projeto de Lei de Educação Escolar Indígena, Auricélia e a cacica Miriam Tembé destacaram que não é correto afirmar que o Pará seria o primeiro estado a criar tal legislação, ignorando a falta de Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI). “O governador queria aprovar um pacote, incluindo mercado de carbono e educação, antes da COP30. Vivemos uma eterna guerra da caneta”, disse Auricélia.

Miriam Tembé emocionou o público ao apresentar sua mãe, Adelina Tembé, de 70 anos, que só agora cursa o primeiro ano do ensino médio porque o direito lhe foi negado a vida toda. Ela relatou que, mesmo após a conquista do ensino médio regular nos territórios Tembé em Tomé-Açu, a implementação é falha: o ano letivo termina sem a contratação de todos os professores, e docentes ministram disciplinas fora de sua área de formação.

Desmonte da educação – A extinção da Fundação Escola Bosque (Funbosque) pelo prefeito de Belém, Igor Normando, foi descrita como um crime contra a identidade amazônica. O professor Nairo Bentes trouxe dados alarmantes: a projeção de matrículas para 2026 na Casa Escola da Pesca já exclui o Ensino Médio, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e o ensino técnico. Segundo ele,

a reforma educacional do município está acabando com a única escola ribeirinha de alternância pedagógica. Bentes listou as ilhas impactadas que ficarão desassistidas: Jutuba, Paquetá, Ilha Nova, Ilha Longa, Urubuoca, Arapiranga, entre outras.

O professor lamentou que, apesar da luta, a disputa de narrativa está sendo perdida. Ele citou que a prefeitura informa que a Funbosque não acabou, enquanto, na realidade, a escola não tem mais currículo de educação culturalmente diferenciada e de educação ambiental e não atende mais jovens ribeirinhos com a pedagogia da alternância e fechou inclusive o alojamento em que os alunos ribeirinhos residiam quando vinham para as atividades em sala de aula.

Por sua vez, o professor Agnaldo Rabelo reforçou o cenário de destruição física e simbólica, relatando que laboratórios de química e biologia foram quebrados e livros jogados no lixo para justificar o fim do ensino médio, prática que se intensifica agora.

Uma das fundadoras da escola, Maria Auxiliadora, lamentou o fim dos “quintais produtivos” e a descaracterização de um projeto que foi referência internacional. Já a integrante do movimento Funbosque Fica e do Comitê de Comunicadores Populares das Baixadas de Belém Samire Maré denunciou que a prefeitura prometeu a construção de uma creche na Ilha de Caratateua como compensação, promessa feita diante do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, mas até o momento não há sinal de obras.

Grupo de cerca de 20 mulheres, algumas com adereços indígenas, sentadas no chão e em cadeiras, com uma mulher falando no centro.
Foto: Comunicação/MPF

Fechamento de escolas do campo O professor Salomão Hage, do Fórum Paraense de Educação do Campo, apresentou estudo do Fórum Nacional de Educação do Campo (Fonec) que aponta que entre 2000 e 2024, mais de 150 mil escolas foram fechadas no Brasil, sendo 101 mil em territórios tradicionais. No Pará, foram mais de 7 mil escolas fechadas. A justificativa oficial de combater as escolas “multisseriadas” esconde, segundo ele, a intenção de liberar territórios para o agronegócio e a mineração.

A educadora e representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Rosa Reis criticou a “educação para o campo” em vez de uma “educação do e no campo”. Ela relatou um episódio de criminalização pedagógica em Marabá, onde uma escola de tempo integral foi denunciada ao Ministério Público do Trabalho por exploração de trabalho infantil porque as crianças cuidavam de uma horta e de um viveiro de mudas como parte do projeto educativo de trabalho como princípio educativo.

Racismo ambiental O debate expandiu-se para questões de infraestrutura e saneamento, classificadas como racismo ambiental:

Lixão em territórios tradicionais: A liderança quilombola Josias Dias dos Santos, o Jota, denunciou que o lixo da região metropolitana de Belém está sendo descartado em áreas de comunidades pretas e de agricultura familiar no Acará e Bujaru, contaminando nascentes e afetando os “encantados” (entidades espirituais).

Pontes para o agronegócio: Samire Maré criticou as obras das duas pontes na Ilha de Caratateua. Segundo ela, as estruturas servem ao porto que será implantado pelo governo e causaram o assoreamento de rios, o desaparecimento do camarão no Rio Maguari e o desemprego de barqueiros, sem trazer benefícios reais à mobilidade dos moradores, que continuam dependendo de ônibus precários.

Milícias e especulação: Participantes do evento alertaram para a atuação de milícias na especulação imobiliária em Caratateua, impulsionada pelas novas pontes. Grupos armados estariam coagindo moradores a venderem terras.

Grande grupo de pessoas, incluindo adultos e crianças, posando em frente a um banner, algumas com cartazes no chão.
Vam Gonçalves/MPF

Colonialidade e mobilização O procurador da República Alan Mansur, que presidiu o debate, e o procurador-chefe da unidade do MPF no Pará, Felipe Moura Palha, agradeceram a mobilização de todos que compareceram e destacaram que a instituição vai utilizar a riqueza dos testemunhos para instruir processos judiciais e extrajudiciais, atuando na defesa desses direitos.

O professor Agnaldo Rabelo finalizou com uma metáfora histórica sobre a Revolta da Cabanagem, comparando a luta atual a uma trincheira permanente: “A nossa luta não é armada, está na sala de aula. Se a gente não for para a trincheira, nos tornamos medíocres e reproduzimos modelos de poder”, resumiu, consolidando a tese reafirmada várias vezes no debate, de que a defesa da educação no campo na Amazônia é, intrinsecamente, uma ação de litigância climática contra um modelo de desenvolvimento que exclui as populações locais, através de um sistema de poder baseado na colonialidade.

Atuação do MPF – O procurador da República Alan Mansur reforçou a independência do Ministério Público e a necessidade de ouvir a sociedade para legitimar a atuação jurídica. “A função do MPF não é estar vinculado a nenhum governo. Nossa participação é independente, buscando diálogo constante com a sociedade para levar essas demandas à Justiça”, pontuou. Também participaram do evento e de sua organização, pelo MPF, o procurador da República Rafael Martins e as servidoras Rosângela Hino, Soraia Nascimento, Roselene Silva e a estagiária Maria Luiza Villanueva.

O evento se encerrou sob o grito de ordem “Funbosque fica!”, simbolizando a união entre diferentes movimentos sociais. Para os participantes, ficou a mensagem de que não existe justiça climática sem justiça social e educacional, e que a sala de aula no território é a primeira trincheira contra a destruição da Amazônia.

Agradecimentos Ao encerrar as atividades do estande do MPF e o debate, o procurador-chefe da unidade do MPF no Pará, Felipe de Moura Palha, fez uma série de agradecimentos: à Procuradoria-Geral da República, à Secretaria de Cooperação Internacional do MPF, às Câmaras de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (4CCR) e de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR) do MPF e à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do MPF (PFDC), aos membros e servidores do MPF que atuaram no estande e que se voluntariaram para o plantão da COP, aos profissionais contratados pela instituição para a transmissão dos eventos ao vivo no YouTube e para receber o público no estande, a todas as pessoas, coletivos, movimentos sociais e instituições participantes dos painéis, e às advogadas e advogados populares, instituições da sociedade civil e associações que prestam serviço de assessoramento jurídico às comunidades.

 

Fique por dentroA participação do MPF na COP30, em Belém, foi uma iniciativa da Procuradoria-Geral da República, através da Secretaria de Cooperação Internacional (SCI), das Câmaras de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (4CCR), de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR), da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e da Procuradoria da República no Pará (PR/PA). Todos os debates estão disponíveis no Canal do MPF no Youtube. Confira toda a cobertura do MPF no evento em www.mpf.mp.br/cop30.

Fonte MPF