Meio Ambiente
21 de Outubro de 2025 às 12h15
MPF na COP30: críticas à ‘colonialidade verde’ marcam tarde de debates
Participantes das discussões defendem a consulta prévia e o fortalecimento dos territórios como verdadeiras soluções climáticas

Fotos: Comunicação MPF
Na tarde desta segunda-feira (20), os painéis do evento MPF na COP30, em Belém (PA), aprofundaram o tom crítico das discussões sobre a crise climática, com integrantes da instituição e lideranças de povos e comunidades tradicionais expondo como as próprias ‘soluções verdes’ podem se tornar novas frentes de violação de direitos.
O conceito de ‘colonialidade verde’ emergiu como a tese central para descrever como mecanismos de mercado e projetos de energia renovável, se não forem implementados com justiça, acabam por perpetuar um modelo de exploração que desrespeita territórios e modos de vida.
Promovido pelo Ministério Público Federal (MPF), o encontro reúne, na capital que sediará a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), membros da instituição de todo o país, acadêmicos e representantes da sociedade civil para fortalecer a atuação institucional do MPF na agenda climática e socioambiental.
A primeira parte do evento, ocorrida na manhã de segunda-feira, já havia estabelecido um tom crítico, com debates que abordaram os retrocessos da nova Lei de Licenciamento Ambiental, disputas territoriais e racismo ambiental.
A persistência da ameaça – O primeiro painel da tarde, moderado pela coordenadora da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR), Eliana Torelly, que classificou os desafios do MPF na área socioambiental como extremamente árduos, estabeleceu a ponte entre as ameaças tradicionais e as novas.
O procurador regional da República da 1ª Região Felício Pontes Jr diagnosticou a Amazônia como palco de um “choque entre dois modelos de desenvolvimento”: um predatório e um socioambiental. Segundo ele, o modelo predatório é uma forma de ‘colonialismo interno’, em que uma mentalidade desenvolvimentista é imposta à região, tratando a floresta como um obstáculo.
Como exemplo desse modelo, os procuradores da República João Pedro Becker Santos, que atua no Amapá, e Priscila Ianzer Jardim Lucas Bermudez, cuja atuação é no Pará, detalharam as graves falhas no licenciamento para exploração de petróleo na Foz do Amazonas, destacando o histórico de multas ambientais da Petrobras, que nesta segunda-feira recebeu do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) autorização para o início da operação de perfuração de um poço exploratório.
A procuradora regional da República Analucia de Andrade Hartmann, coordenadora do Grupo de Trabalho Emergências Climáticas da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF (4CCR), destacou a contradição do país em pedir recursos internacionais para conservação (serviços ambientais) enquanto, internamente, aprova projetos que colocam a Amazônia em risco.
Aprofundando a reflexão, o procurador federal dos Direitos do Cidadão adjunto, Paulo Thadeu Gomes da Silva, classificou esse modelo como uma ‘colonialidade interna’, uma lógica de poder que sobrevive ao colonialismo histórico. A tese foi sintetizada pelo procurador federal dos Direitos do Cidadão, Nicolao Dino, que conectou as falas ao afirmar que a disputa atual é pela definição do conceito de ‘desenvolvimento sustentável’, uma construção cultural que impacta diretamente a natureza.
A ‘colonialidade verde’ – O painel seguinte, moderado pela subprocuradora-geral da República Ana Borges Coêlho Santos, que abriu os trabalhos com uma reflexão filosófica sobre a necessidade de superar a visão antropocêntrica, citando Ailton Krenak, focou nos desafios das soluções para a descarbonização.
O coordenador do Grupo de Trabalho Intercameral Impactos Socioambientais das Energias Renováveis da 4CCR, da 6CCR e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), José Godoy Bezerra de Souza, expôs a realidade predatória da instalação de parques eólicos e solares no Nordeste, com contratos abusivos e graves impactos na saúde das comunidades. Ele concluiu a palestra reproduzindo um lema de coletivos do semiárido: “Energia renovável, sim. Mas assim, não”.
Em seguida, o procurador-chefe do MPF no Pará, Felipe de Moura Palha, argumentou que o modelo de exploração apenas ganhou uma roupagem nova. O modelo, segundo ele, continua sendo a colonialidade, mas agora ganhou uma tinta verde, tornando-se o que ele definiu como ‘a colonialidade verde’. Ele dissecou a proposta do governo do Pará para um Sistema Jurisdicional de Redução de Emissões de Desmatamento e Degradação Florestal (SJREDD+, que é uma política pública que aplica um mecanismo do mercado de carbono a uma jurisdição), mostrando como a pressa para apresentar resultados na COP30 atropela o direito à Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI).
O procurador regional da República da 2ª Região João Akira Omoto reforçou a crítica, definindo esses mecanismos como um “avanço do mercado sobre os territórios” e citando o caso do povo indígena Ka’apor, no Maranhão, que já levou o Estado brasileiro a ser questionado pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Nesse contexto, um debate sobre a estratégia do MPF foi provocado pelo coordenador do Núcleo Permanente de Incentivo à Autocomposição (Nupia) da instituição, Alessander Wilckson Cabral Sales. Ele defendeu uma mudança de mentalidade, com a adoção de uma atuação estrutural, com a construção de soluções negociadas. A subprocuradora-geral da República Ana Borges Coêlho Santos fez um alerta para o risco de o país deturpar o instituto da lide estrutural, criando um ‘modelo à brasileira’ que, sob o pretexto da negociação, acabe por flexibilizar e relativizar direitos fundamentais, que são inegociáveis.
As vozes do território materializaram as críticas dos demais componentes do painel. O pescador e ribeirinho do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Santo Afonso, de Abaetetuba (PA), Dilmaiko Marinho Freitas, denunciou a CPLI sobre SJREDD+ em seu município como uma farsa. O vice-coordenador do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (Cita), Lucas Tupinambá, classificou o mecanismo como um “mercado de fantasia” e encerrou com uma mensagem forte: “Direitos não se negociam”. Da plateia, a liderança quilombola Allex Maciel resumiu o conflito: “Enquanto eles falam em mercado de carbono, nós estamos pisando no chão de nossos territórios, […] nós queremos viver em paz”.
Proteção territorial – O último painel do dia, moderado pelo subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia, apontou caminhos futuros. A procuradora da República Suzana Fairbanks, que atua em São Paulo, expandiu o debate para os territórios urbanos, como as terras indígenas na capital paulista, e defendeu o foco na adaptação climática por meio de planos municipais e soluções baseadas na natureza, lembrando o papel do MPF como fiscalizador de políticas públicas.
O procurador Rafael Martins da Silva usou o caso da indústria de dendê no Pará para ilustrar o greenwashing (ou lavagem verde, em português, uma estratégia de marketing na qual empresas promovem seus produtos como ambientalmente responsáveis sem cumprir os critérios reais de sustentabilidade) e a ‘necrose ambiental’ causada por uma monocultura vendida como solução verde, que acaba por destruir a soberania alimentar das comunidades.
Como proposta, o diretor executivo do Projeto Territórios Vivos, o procurador da República Wilson Rocha, apresentou a Plataforma de Territórios Tradicionais (PTT) e o conceito de autodeclaração como ferramenta para romper a morosidade das demarcações e destravar o acesso a políticas públicas. A procuradora regional dos Direitos do Cidadão na Paraíba, Janaína Andrade de Sousa, aprofundou o tema ao apresentar uma série de questionamentos. Respondendo sobre o diálogo relativo à PTT com ministérios do Poder Executivo federal, Rocha informou que estão em tratativas três Acordos de Cooperação Técnica (ACTs), um dos quais envolve o Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF), instrumento que permite o acesso a um total de 23 políticas públicas.
A tarde contou com diversas participações das lideranças de povos e comunidades tradicionais. Allex Maciel, que também atuou como debatedor no último painel, afirmou a soberania das comunidades: “Nossos territórios, nossas regras”, e encerrou sua fala com um poema de resistência. Da plateia, a indígena Marcela Kuruaya, do Território Cobra Grande do Alto Arapiuns, reforçou: “Nós queremos direito e direito não se discute.”
O moderador do último painel desta segunda-feira, subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia, encerrou os trabalhos do dia com uma reflexão sobre a necessidade de humildade e união. “O exercício da função de membro do Ministério Público é sempre um exercício de humildade, […] o reconhecimento de que não podemos tudo, podemos e tentamos fazer o máximo do que está ao nosso alcance. […] Todos devemos estar juntos para a consecução desse propósito comum”.
Programação – O evento MPF na COP30 termina nesta terça-feira (21) com discussões voltadas à litigância climática, macrocriminalidade ambiental e metas nacionais de enfrentamento aos efeitos das mudanças do clima. Todas as transmissões estão disponíveis no Canal do MPF no Youtube.
Fonte MPF