Assédio e discriminação: evento na Paraíba discutiu atuação do judiciário trabalhista

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Um momento para ouvir, aprender e renovar o olhar para o julgamento de processos trabalhistas. Assim podem ser descritos os dois dias de realização do 1º Encontro Institucional da Escola Judicial da 13ª Região (EJud-13) 2024, que reuniu dezenas de magistrados e servidores do Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba nos dias 9 e 10 deste mês. A programação do evento contemplou assuntos como assédio moral e sexual nas organizações, assédio e discriminação nas relações de trabalho, acesso à justiça, questões de raça e LGBTfobia, saúde mental e acessibilidade.

Com o tema “Interseccionalidade, diversidade e justiça social”, o encontro foi realizado em alusão à Semana de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio e à Discriminação, instituída pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por meio da Resolução nº 351/2020. A iniciativa também está alinhada com a Política de Prevenção e Enfrentamento da Violência, do Assédio e de Todas as Formas de Discriminação no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT).

“Sabemos que, por meio da interseccionalidade, é possível enxergar que existem, na sociedade, vários sistemas de opressão, seja de raça, gênero, classe social, localização geográfica, capacidade física, entre outros, e que se relacionam entre si. Essa sobreposição demonstra que racismo e sexismo são inseparáveis e tendem a discriminar e excluir indivíduos de diferentes formas. A interseccionalidade proporciona uma lente pela qual podemos examinar processos, práticas, políticas e estruturas que aumentam os riscos de determinados indivíduos sofrerem desvantagens, assédio ou discriminação por conta de identidades cruzadas. Por isso, é importante estudarmos esses temas”, destacou  a diretora da EJud-13, desembargadora Herminegilda Leite Machado.

Combate ao assédio moral e sexual

O TRT-13 recebeu, no Primeiro Grau, 626 novos casos relacionados a assédio moral e assédio sexual no período de janeiro de 2023 a maio de 2024. Deste total, 576 processos foram relacionados a assédio moral, enquanto 50 trataram de assédio sexual no ambiente de trabalho. Os dados foram obtidos por meio da ferramenta Hórus, desenvolvida pelo Regional. Considerando apenas o Segundo Grau de jurisdição, foram identificados 37 processos relacionados a assédio sexual e 365 a assédio moral.

“É um caminho longo e cheio de desafios, mas que por meio de capacitação e conversa, podemos contribuir para a mudança de cultura e de atitudes”, afirmou a desembargadora do TRF-4, Salise Monteiro Sanchotene, enfatizando que cabe aos gestores e gestoras impulsionar medidas de prevenção e enfrentamento ao assédio moral e sexual no ambiente de trabalho. A desembargadora abriu o evento com uma palestra sobre “Prevenção e enfrentamento ao assédio e discriminação no poder público”.

Ainda sobre assédio moral, o engenheiro Cláudio Brunoro, que trata de organizações sustentáveis, comentou sobre como desenvolver uma relação saudável entre os indivíduos e as organizações no ambiente de trabalho. “É necessário refletir sobre o papel que o trabalho ocupa na vida do indivíduo. Trabalhar não é só produzir, mas transformar a si mesmo, citando o teórico Christophe Dejours. Precisamos encontrar um sentido no trabalho e perceber que o que se faz é útil, do contrário não se tem uma relação saudável com ele”, disse, durante a palestra “Prevenção ao assédio moral: uma análise da psicodinâmica do trabalho”.

LGBTfobia 

A discriminação contra pessoas LGBTQIAP+ também foi abordada durante o evento, especialmente sob a perspectiva jurídica. A professora da Faculdade de Direito do Recife (UFPE), Antonella Galindo, abordou o direito antidiscriminatório e os direitos LGBTs, passando da ausência de leis nacionais até o reconhecimento de direitos previdenciários, casamento homoafetivo e a criminalização da LGBTfobia. “Vivemos um período de agenda antiLGBTI+ no Brasil. Neste sentido, temos desafios em relação ao direito antidiscriminatório, entre eles embates com o autoritarismo e a luta nos tribunais por prevalência de teses jurídicas antidiscriminatórias”, explicou.

Por sua vez, o professor da UFMG, Pedro Augusto Gravatá Nicoli, ministrou a palestra “LGBTfobia – análise da jurisprudência trabalhista”. Em pesquisa, feita no âmbito do TRT da 3ª Região, ele observou que de 2014 a 2023, ao mesmo tempo em que a homofobia tem fundamentação jurídica antidiscriminatória, também existem magistrados que entendem a LGBTfobia como “brincadeiras”. “Precisamos entender como a Justiça trabalhista lida com esses casos, pois o trabalho, na maioria das vezes, é uma forma de a pessoa LGBT ter não só sua independência, como autonomia diante da sociedade”, destacou

Raça e discriminação

O juiz do TJSE, Edinaldo César Santos Júnior, sob o tema “Aquilombar é preciso”, abordou a importância de se pensar a questão racial a partir do ponto de vista do invisibilizado, criando novas lógicas de representação e transformando as estruturas sociais vigentes. “Quão silencioso é o racismo para você? Primeiro, é preciso reconhecer que ele existe e que se é racista, para então passar a combatê-lo. Passamos por quase quatro séculos de escravidão, mas será que fomos realmente libertos em 1888? Quantas pessoas negras de mesmo nível social e econômico que o seu fazem parte do seu círculo de amizades? Reflitam”, indagou o palestrante.

Por sua vez, a juíza do TRT-3, Wanessa Mendes de Araújo, também tratou de racismo, mas sob a perspectiva das relações de trabalho e como ele pode ser um espaço para discriminação e assédio contra pessoas negras. “As desigualdades de cor e raça passam pela ocupação do território até a inserção no mercado de trabalho, incluindo o Poder Judiciário. Embora a igualdade racial seja um direito fundamental garantido constitucionalmente, ainda vivemos o racismo estrutural no país. A luta passa pelo enfrentamento”, frisou a magistrada.

Sensibilidade e criatividade

O desembargador do TRT-20, Fábio Túlio Correia de Melo, fechou o evento abordando um tema caro aos magistrados: “Judicatura e perplexidade: sensibilidade em tempo de mudanças”. Para ele, casos difíceis precisam de mais do que a simples dogmática. Embora a técnica seja importante para a prática jurídica, o juiz, muitas vezes, precisa avaliar o processo com uso da sensibilidade e, até mesmo, da criatividade. “O jurista tem de aprender com o artista, que é um fabulador de soluções inusitadas para resolver problemas inesperados”, frisou.

A desembargadora Herminegilda Leite Machado, que também é vice-presidente e corregedora do TRT-13, salientou a relevância do encontro institucional. “Acredito ser necessário até para afastar os magistrados dos processos e fazê-los ver onde estão os atores e as pessoas das quais tratamos aqui. As palestras foram bastante profícuas e as palavras continuarão ecoando. Tivemos verdadeiras aulas”, destacou.

Fonte: TRT13

Macrodesafio - Aperfeiçoamento da gestão administrativa e da governança judiciária

Fonte CNJ