Criminal
16 de Abril de 2024 às 11h30
Após denúncia do MPF, Justiça condena casal por manter empregada doméstica em trabalho análogo à escravidão na Bahia
A vítima trabalhou por 40 anos na residência do casal sem carteira assinada, salário ou férias e com jornada de mais de 8 horas por dia
Arte: Comunicação MPF
Após denúncia do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal na Bahia condenou um casal por manter uma empregada doméstica em situação análoga à escravidão, submetendo-a a condições degradantes de trabalho por aproximadamente 40 anos. A sentença determinou aos acusados penas de quatro anos de prisão, convertidas em serviços à comunidade, além de multas e perda do imóvel onde a vítima trabalhava, que deve ser direcionado a programas de habitação popular, após o trânsito em julgado.
Na decisão, que atende parcialmente denúncia do MPF de 2022, a Justiça ressalta que auditores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) identificaram diversas infrações às leis trabalhistas na residência dos acusados, incluindo a ausência de registro formal de emprego, não pagamento de salários e benefícios, além da imposição de jornadas exaustivas.
Apesar dos argumentos da defesa, alegando a relação de afeto entre a doméstica e os membros da família, o MPF comprovou que o casal praticou crime de redução de pessoa à condição análoga à de escravo. “Os relatos da vítima, corroborados por testemunhas, revelam que a empregada não apenas executava todas as atividades domésticas, mas também cuidava do neto dos responsáveis, mostrando que ela estava sobrecarregada com responsabilidades que excediam em muito as expectativas de um relacionamento familiar saudável”, argumentou o MPF.
Outro ponto destacado pelo MPF na denúncia foi a falta de oportunidades educacionais para a empregada doméstica, apesar do acesso dos demais membros da família à educação formal. “Isso evidencia uma clara privação de direitos básicos, como o direito à educação. Portanto, a dinâmica presente na residência não refletia uma relação de afeto e cuidado, mas sim um ambiente de exploração e subjugação, assemelhando-se a uma situação de trabalho análogo à escravidão”, frisou o MPF.
Sendo assim, a Justiça entendeu que os acusados sabiam que estavam agindo de forma ilegal, já que um era professor e o outro trabalhava em uma instituição de ensino tradicional de Salvador. “Não estamos a tratar de dois indivíduos sem qualquer instrução educacional, que não tinham o potencial de compreender o caráter ilícito de suas condutas, seja a privação do acesso ao ensino, não estimularem a criação de novos laços sociais e afetivos pela vítima e a submeterem a diuturnos trabalhos domésticos não remunerados durante mais de 40 anos”, destaca a Justiça em trecho da decisão. Ainda cabe recurso da sentença.
Ao final da decisão, o juiz Fábio Moreira Ramiro, titular da 2ª Vara Federal Criminal, ressaltou que, “diante da comprovação inequívoca do delito imputado aos acusados, este Juízo não poderá olvidar-se em encerrar o presente comando sentencial sem deixar de dirigir-se à vítima, e dizer-lhe que tome para si sua liberdade inalienável e intangível por sinhás ou por casas grandes ou pequenas, porque essa liberdade é somente sua, e são seus, apenas seus, os sonhos que insistem em florescer a despeito de uma longa vida de tolhimentos e de frustrações do exercício do direito de ser pessoa humana”.
Determinou, ainda, que seja encaminhada pessoalmente cópia da sentença à vítima. Neste ponto, tendo em vista que a vítima não sabe ler, deverá o oficial de Justiça realizar a leitura da sentença de forma adequada, didática e compatível, considerando o desconhecimento da linguagem jurídica pela vítima.
Processo nº 1018501-42.2022.4.01.3300
Fonte MPF