Após atuação do MPF, casal é condenado por manter idosa de 80 anos em condição análoga à escravidão — Procuradoria Regional da República da 5ª Região

0
11

Criminal

21 de Agosto de 2025 às 11h45

Após atuação do MPF, casal é condenado por manter idosa de 80 anos em condição análoga à escravidão

Empregada doméstica foi submetida a jornada exaustiva e condições degradantes de trabalho e moradia

Foto mostra mulher em penumbra, de costas para o espectador e de frente para uma janela gradeada, por onde entra luz no cômodo


Foto ilustrativa: Canva

Ao acolher parecer do Ministério Público Federal (MPF), a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) condenou um casal por manter uma empregada doméstica em condição análoga à escravidão. A vítima é negra, tem quase 80 anos e vivia há cerca de quatro décadas na residência da família, em um quarto sem as mínimas condições dignas e razoáveis de moradia.

A situação foi identificada em uma fiscalização realizada pela Polícia Federal, pelo Ministério Público do Trabalho e pelo Ministério do Trabalho. Denunciados pelo MPF no Ceará, os ex-patrões foram absolvidos pela 11ª Vara da Justiça Federal naquele estado, que alegou existir uma relação de afeto entre a vítima e os réus e de não haver restrição à locomoção da ex-funcionária.

Representada por uma curadora, a vítima recorreu ao TRF5, apontando haver provas suficientes para condenar os réus, como comprovado pelos auditores fiscais do Trabalho, depoimentos das testemunhas de acusação e documentos juntados aos autos. Entre as diversas irregularidades, estavam a jornada de trabalho exaustiva (14 horas diárias, de domingo a domingo) e a ausência de pagamento de salários, férias e outros direitos trabalhistas. Ela sequer tinha acesso aos recursos de sua aposentadoria, que eram parcialmente retidos pelos ex-patrões em conta conjunta à qual a idosa não tinha acesso.

Ao se manifestar no recurso, o MPF ressaltou, ainda, que a empregada doméstica foi encontrada desnutrida, com dentes apodrecidos, transtorno de ansiedade e possível depressão, dormindo em quarto afastado e pequeno, sem ter sequer uma cama – ela dormia em uma rede, ao lado de um varal para estender roupas, materiais de limpeza, máquina de lavar e gaiola de pássaros. “Não é assim que se trata alguém da família”, enfatizou a procuradora regional da República Caroline Maciel.

A autora do parecer salientou que o Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial, publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2024, estabelece várias diretrizes para que os juízes de todo o país tomem uma decisão diante de uma possível situação de trabalho escravo doméstico. Entre elas, “magistrados e magistradas devem reconhecer que, mesmo quando há uma relação de afeto entre as partes envolvidas, isso não altera a realidade do contrato de trabalho e da prestação de serviços, especialmente em casos de trabalho infantil doméstico”.

Para o MPF, o afeto pode ser uma consequência natural do relacionamento entre dois ou mais seres humanos que, por anos, convivem sob o mesmo teto. Inclusive, “relações de afeto existiram no período em que a escravidão era legalizada no Brasil, quando, muito comumente, filhos dos senhores de escravo eram criados por mucamas (escravas domésticas ou amas de leite), tendo-as como verdadeira mãe, ou quando, ultrapassando as regras da convivência marital, os senhores de terra se relacionavam amorosa e sexualmente com seus escravos”, diz o documento.

Assim, a análise do caso pelo juiz deve considerar que vínculos emocionais genuínos podem coexistir com exploração laboral, especialmente quando estabelecidos em contexto de vulnerabilidade social extrema. Nesse caso, a relação de décadas gerou um vínculo afetivo inquestionável entre a empregada doméstica e a família de seus ex-patrões, como demonstram as fotografias e depoimentos. Porém, “o afeto, quando autêntico, deveria traduzir-se em cuidado e proteção, não em exploração continuada”, concluiu o MPF.

Processo nº 0801411-76.2024.4.05.8100

Consulta processual

Assessoria de Comunicação Social
Ministério Público Federal
Procuradoria Regional da República da 5.ª Região
Procuradoria Regional Eleitoral em Pernambuco
Telefones: (81) 2121.9823 / 2121.9824 / 2121.9894
Celular / WhatsApp: (81) 9.9213.9334 – apenas para atendimento a jornalistas (de segunda a sexta, das 10h às 17h)
E-mail: prr5-ascom@mpf.mp.br
Twitter: MPF_PRR5

Fonte MPF