Indígenas
26 de Agosto de 2024 às 15h20
Após ação do MPF, comerciantes são condenados por crimes praticados contra indígenas Maxakali, em MG
Além de se apropriar de bens e valores pertencentes às vítimas, um deles chegou a surrar um indígena para extorqui-lo
Arte: Comunicação/MPF
O Ministério Público Federal (MPF) obteve a condenação de três comerciantes por diversos crimes praticados contra indígenas da etnia Maxakali da cidade de Santa Helena de Minas, no Vale do Mucuri, nordeste de Minas Gerais. De acordo com a denúncia do MPF, em cerca de nove meses, eles se apropriaram de bens e valores – entre eles benefícios sociais – que ultrapassam R$ 200 mil.
Os comerciantes foram condenados por apropriação indébita e organização criminosa (artigos 168 e 288, respectivamente, do Código Penal), sendo que dois deles ainda receberam pena pelo crime de estelionato (art. 171, do CP) e pelo crime de retenção de cartão de conta bancária de idosos (art. 104 da Lei 10.741/2003). Um dos homens também foi condenado pelo crime de extorsão.
A denúncia do MPF aponta que os réus apropriaram-se indevidamente de documentos, cartões bancários e benefícios sociais pertencentes às vítimas. Segundo as investigações, a retenção dos cartões bancários que dão acesso ao recebimento, por exemplo, de valores do programa Bolsa Família e de benefícios previdenciários, é prática disseminada entre os comerciantes da região onde vive esse povo [municípios de Bertópolis, Santa Helena de Minas, Teófilo Otoni e Ladainha, em Minas Gerais, e Batinga, na Bahia].
Durante as investigações, os indígenas relataram que os acusados sacavam o valor integral do cartão e lhes entregavam apenas alguns alimentos. Em determinada ocasião, o laudo antropológico cita inclusive ameaça de morte feita por um desses comerciantes a indígena pelo simples fato deste ter pedido seu cartão de volta.
Vítimas também já relataram à Polícia Federal que alguns proprietários de estabelecimentos comerciais utilizam os cartões para contratar fraudulentamente empréstimos consignados, seguros residenciais e financiamento de veículos.
Comerciantes abusivos – A sentença descreve detalhadamente os fatos e a conduta dos réus, destacando a situação de vulnerabilidade em que vivem os Maxakali, o que os torna vítimas fáceis dos criminosos. Para o Juízo Federal, tais fatos são gravíssimos, “pois denotam o aproveitamento da situação de vulnerabilidade do grupo indígena, que necessita dos benefícios sociais do governo federal para subsistência”.
Laudo antropológico citado na sentença relata que, em Santa Helena, foram encontradas pessoas que criam um comércio voltado especificamente a explorar os indígenas, com a cobrança de preços abusivos na venda de mercadorias. Além disso, apesar de reter os cartões, supostamente para recolher os valores dos itens vendidos às vítimas, elas não efetuam qualquer tipo de controle ou anotação dessas vendas.
No caso dos autos, além da retenção dos cartões, os réus passaram a comprar cartões retidos por outros comerciantes locais, os quais lhes “repassavam a dívida” dos indígenas. A sentença afirma que as investigações apontaram um dos réus como líder do esquema. Após comprar os cartões dos indígenas retidos por comerciantes de toda a região, ele chegou a deter cerca de 90% deles.
Durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão realizado na residência dele, foram encontrados vários objetos pertencentes aos indígenas, como cartões de benefício (muitos com senhas), notas promissórias e documentos pessoais. Também foram apreendidos papéis que indicavam uma contabilidade informal que tinha o objetivo de controlar os objetos e o volume de dinheiro que entrava mensalmente (como um fluxo de caixa), para controle pessoal do réu sobre os valores obtidos das vítimas. Análise da Polícia Federal constatou que os nomes nessa contabilidade pessoal coincidiam com aqueles que constavam de comprovantes bancários e dos cartões e documentos pessoais retidos.
A sentença cita exame feito pelo MPF nos extratos bancários apreendidos com o líder do esquema, que revela diferença de menos de um minuto entre a movimentação bancária de diferentes indígenas, o que provou a posse dos cartões e o fato de “que o réu movimentava a disponibilidade de valores nas contas”.
Vereador – Com um dos réus, vereador em Santa Helena de Minas na época dos fatos, também foram apreendidos diversos comprovantes de pagamento de benefícios, extratos bancários e cartões de benefício em nome dos indígenas Maxakali. As provas comprovam que ele retinha os cartões das vítimas, pelo menos, desde 2018.
Já o terceiro réu, por sua vez, atuava entregando aos indígenas bilhetes de autorização de compras para utilizarem no comércio de Santa Helena de Minas mediante a retenção dos cartões, para, depois, utilizá-los em benefício próprio.
A sentença ainda caracteriza as ocorrências em que, ao invés do crime de apropriação ilegal, dois réus praticaram estelionato, porque as vítimas, todas hipervulneráveis, foram induzidas a erro mediante fraude. Esse foi o caso de uma senhora indígena idosa, que não falava a língua portuguesa, e acabou entregando seu cartão bancário. Além dos diversos saques, até compras pela internet foram feitas com o cartão da vítima.
Ameaças – O comerciante apontado como líder do esquema também foi condenado pelo crime de extorsão, por ter constrangido e ameaçado indígenas para que lhe entregassem os cartões ou não bloqueassem os que estavam em posse dele. Em certa ocasião, no município de Bertópolis, ele constrangeu um indígena e chegou a bater nele com uma mangueira, após a vítima ter ido ao banco bloquear os cartões que estavam em posse do réu. As agressões foram documentadas no relatório de atendimento ambulatorial de urgência.
Servidores da Funai relataram à Polícia Federal que, quando os indígenas tinham os cartões retidos e ligavam no 0800 para bloqueá-los, o comerciante ia até as aldeias e, sob a ameaça de arma, constrangia-os a irem até os bancos.
Penas – Os comerciantes receberam penas que variam de 14 a 4 anos de prisão. Dois deles ainda deverão restituir aos indígenas as quantias indevidamente apropriadas, conforme valores apurados pelos investigadores. Com relação ao terceiro réu, no entanto, a investigação não conseguiu precisar o montante apropriado indevidamente por ele.
Ação Penal nº 1001921-09.2020.4.01.3816
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Fonte MPF