Ação do MPF questiona irregularidades na realização de consulta a comunidades tradicionais no projeto do Rodoanel, em Belo Horizonte — MPF-MG de 1º grau

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Comunidades Tradicionais

5 de Agosto de 2024 às 12h15

Ação do MPF questiona irregularidades na realização de consulta a comunidades tradicionais no projeto do Rodoanel, em Belo Horizonte

Governo estadual repassou indevidamente à concessionária a obrigação legal de realizar consulta aos povos e comunidades tradicionais afetados pelo projeto

Mapa de localização do Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte


Imagem: Relatório do Estudo de Impacto Ambiental

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública para que a Justiça Federal suspenda imediatamente a forma como está sendo realizado o procedimento de consulta aos povos e comunidades tradicionais afetados pelo projeto de construção do Rodoanel, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. 

De acordo com o MPF, as atividades de consulta foram repassadas pelo Estado de Minas Gerais às sociedades empresariais Rodoanel BH S.A. e Tractebel Engineering Ltda. No entanto, tal atividade possui natureza tipicamente pública, não existindo previsão legal que autorize a realização dos procedimentos de consulta livre, prévia e informada por entidades privadas. Para o MPF, o caso se torna ainda mais grave diante do fato de que a Rodoanel BH S.A., assim como a Tractebel – enquanto empresa contratada pela referida concessionária do empreendimento –, têm interesse econômico no projeto. Por isso, a ação também pede que a Justiça Federal declare a invalidade de todos os atos já praticados com essa finalidade pelas referidas empresas.

“Atualmente, ninguém mais ignora a obrigatoriedade de que o Estado respeite o direito à consulta livre, prévia e informada aos povos e comunidades tradicionais, mas o desafio está em garantir que a observância desse direito não exista apenas formalmente”, afirmam os procuradores da República Edmundo Antonio Dias e Helder Magno da Silva, que assinam a ação.

Levantamento feito pela própria Tractebel – empresa contratada pela concessionária Rodoanel para a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do empreendimento e do respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) – estima que, aproximadamente, 100 povos e comunidades tradicionais encontram-se na área de influência da obra rodoviária. Entre elas, estão as comunidades quilombolas de Pinhões, Manzo Ngunzo Kaiango, Arturos, Marinhos, Sapé, Rodrigues, Ribeirão, Colégio, Pimentel e Mangueiras.

Dever indelegável do Estado – O traçado projetado para o Rodoanel possui extensão de aproximadamente 70 km, em pista dupla, ao longo de oito municípios (Sabará, Santa Luzia, Vespasiano, São José da Lapa, Pedro Leopoldo, Ribeirão das Neves, Contagem e Betim), que serão conectados por meio das rodovias BR-381, BR-040 e BR-262. O custo da obra prevê o aporte de R$ 3,07 bilhões pelo Estado de Minas Gerais.

“O Estado não pode delegar a realização da consulta a entidades privadas, por se tratar de uma obrigação pública indelegável, conforme assentado em decisões da Corte Interamericana dos Direitos Humanos, à qual está sujeito o Estado brasileiro”, lembram os procuradores da República.

A ação cita, por exemplo, o caso Kichwa de Sarayaku vs. Equador, em que ficou expresso que a obrigação de consultar é de responsabilidade do Estado. Essa é a razão pela qual o planejamento e realização do processo de consulta não é um dever que o Estado possa delegar a uma empresa privada ou a terceiros, “muito menos à mesma empresa interessada na extração dos recursos no território da comunidade objeto da consulta”.

“A consulta livre, prévia e informada é um mecanismo de diálogo dos povos e comunidades tradicionais com o Estado e não uma etapa a ser vencida pelo empreendedor, que possui interesse lucrativo no empreendimento, a evidenciar patente conflito de interesses, na medida em que o móvel da atuação do empreendedor privado é bastante distinto do interesse dos povos e comunidades tradicionais”, ressalta a ação.

Esvaziamento – Para o MPF, é comum que, a pretexto de cumprir a obrigação, governos promovam o esvaziamento da consulta por meio de determinados artifícios, como a sua realização em fases posteriores – e não previamente à elaboração do projeto. “Assim, enuncia-se o direito à consulta livre, prévia e informada e ressalta-se sua importância, mas ela é realizada como um ato meramente formal, desprovido de uma possibilidade real de permitir que as comunidades tradicionais participem efetivamente dos processos decisórios”.  Com isso, elas se tornam uma “mera formalidade, uma etapa a ser superada, um teatro democrático”.

A ação esclarece que a situação é cada vez mais frequente em projetos de grande porte, nos quais há investimentos vultosos, pois, à medida em que as etapas vão se consolidando, mais difícil se torna garantir que a consulta prévia – realizada em fases posteriores, o que evidencia que se trata na realidade de uma simulação – tenha de fato impacto relevante na conformação do empreendimento.

“É importante deixar claro, portanto, que, para levar a cabo um empreendimento, mesmo que de grande porte, o Estado de Minas Gerais não pode se eximir de suas obrigações legais, repassando-as a terceiros, de forma a esvaziar substancialmente um direito indisponível dos povos e comunidades tradicionais afetados pelo empreendimento. Essa situação pode inclusive, a partir da atuação ilegal de um Estado membro da Federação, acarretar, no plano internacional, a responsabilização do Estado brasileiro como um todo, pelo descumprimento substancial do que determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo país”, afirmam os procuradores da República.

Ação Civil Pública nº 6037201-24.2024.4.06.3800

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Fonte MPF