Ação do MPF pede correção de edital da Polícia Federal que limita acesso de candidatos com deficiência — Procuradoria da República no Rio de Janeiro

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Concurso público descumpre normas de acessibilidade e inclusão ao aplicar barreiras desproporcionais

O Ministério Público Federal (MPF) apresentou ação civil pública para que a União (Polícia Federal) e o Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe) suspendam imediatamente a restrição prevista no edital do concurso público para provimento de vagas em cargos da Polícia Federal, a fim de assegurar os direitos das Pessoas com Deficiência (PcD).

A ação, baseada em apurações realizadas em dois procedimentos em tramitação no Rio de Janeiro e Porto Alegre, busca corrigir três tipos de irregularidades identificadas pelo MPF: a aplicação desigual da cláusula de barreira, a indevida contagem de candidatos PcD aprovados na ampla concorrência dentro das vagas reservadas e a adoção de critérios de avaliação física que desconsideram as especificidades das pessoas com deficiência.

Segundo o MPF, o edital e as práticas administrativas da Polícia Federal e do Cebraspe criam e mantêm “barreiras institucionais” que impedem ou restringem de forma desproporcional o acesso de PcD aos cargos públicos, contrariando a Constituição Federal, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015). A urgência da medida se justifica pela iminência da conclusão do certame e pela alta probabilidade de que as vagas reservadas não sejam efetivamente preenchidas, perpetuando uma lógica estruturalmente discriminatória.

Cláusula de barreira – O MPF contesta o subitem 8.11.7 do Edital nº 1/PF/2025, que fixou cláusulas de barreira com quantitativos significativamente inferiores para candidatos com deficiência, em comparação aos da ampla concorrência e aos candidatos pretos e pardos. O mecanismo limita o número de concorrentes que avançam nas etapas seguintes, eliminando inclusive aqueles que atingiram a nota mínima exigida. Para o MPF, a aplicação dessa regra aos candidatos PcD compromete a efetividade da ação afirmativa ao impor um ônus desproporcional.

“O Edital nº 01/PF/2025 apresenta vício desde sua origem. O concurso foi deflagrado contendo discriminação negativa contra Pessoas com Deficiência”, afirmam os procuradores da República que assinam a ação. Segundo eles, essa discriminação se materializa na “exclusão injustificada do certame, mediante a colocação e a manutenção de barreiras que impedem ou dificultam de maneira desproporcional o acesso de PcD a cargos públicos”.

O MPF defende que o mesmo tratamento isonômico assegurado pela Instrução Normativa MGI nº 23/2023 aos candidatos pretos e pardos deve ser estendido, por analogia, às pessoas com deficiência. Assim, todos os candidatos PcD que atinjam a nota mínima em cada fase devem ter o direito de prosseguir nas etapas subsequentes, ou o quantitativo de classificados deve ser equiparado ao da ampla concorrência.

Esvaziamento das cotas – Outro ponto da ação é o tratamento desigual na aplicação da regra da dupla listagem. O Edital nº 1/PF/2025 prevê que candidatos pretos e pardos aprovados na ampla concorrência não sejam contabilizados nas vagas reservadas, mas o mesmo não ocorre com os candidatos PcD. O MPF sustenta que essa omissão esvazia a política afirmativa e requer que a União e o Cebraspe se abstenham de contabilizar os aprovados PcD na ampla concorrência para o preenchimento das vagas reservadas.

A prática, ressalta o órgão, desvirtua a finalidade da cota ao impedir que outros candidatos com deficiência, que não alcançaram a nota da ampla concorrência, ocupem as vagas a eles destinadas. O entendimento é respaldado por jurisprudência consolidada e pela Instrução Normativa Conjunta MGI/MDHC nº 260/2025, que determina expressamente a exclusão desse cômputo.

Exame de Aptidão Física – A ação também questiona a forma como o Exame de Aptidão Física (EAF) é aplicado aos candidatos com deficiência. A Polícia Federal e o Cebraspe mantêm os mesmos critérios avaliativos para todos os participantes, sem justificativa técnica individualizada. O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a ADI 6.476, já declarou inconstitucional a adoção de parâmetros idênticos entre candidatos com e sem deficiência quando não há demonstração de necessidade para o desempenho das funções do cargo.

No concurso em andamento, de 43 requerimentos de adaptações razoáveis nos testes físicos, apenas um foi deferido. Os demais foram negados sob justificativas genéricas de que as adaptações “mudariam a essência do teste”. Para o MPF, essa conduta revela um “capacitismo institucionalizado” e uma “franca inversão de valores”, ao presumir que o desempenho físico genérico é requisito universal para o serviço policial.

O órgão destaca que o parecer técnico da PF, usado para justificar a manutenção dos critérios avaliativos idênticos para candidatos com e sem deficiência, contraria o conjunto de normas formado pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e pela Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), além de não contemplar o entendimento firmado pelo STF na ADI 6.476, que exige adaptações razoáveis e e demonstração da necessidade dos exames de aptidão física especificamente para cada cargo.

Como resultado, dos 3.263 candidatos PcD inscritos, apenas 11 permaneceram aptos para prosseguir no certame destinado a prover o cargo de delegado, 23 para perito, 76 para agente, 18 para escrivão e 6 para papiloscopista.

“Continuando da maneira como está sendo conduzido o certame, a reserva de vagas para pessoas com deficiência está sendo prevista apenas formalmente ou somente como um mecanismo para ‘cumprir tabela’”, sem atender aos fins para os quais a política pública foi criada, alertam os procuradores na ação.

Pedidos imediatos e medidas estruturais – O MPF requer, em caráter de urgência, que a Justiça Federal determine a suspensão ou retificação da cláusula de barreira, de modo que o número de candidatos PcD classificados em cada fase não seja inferior ao da ampla concorrência. Também pede a correção imediata das provas discursivas de todos os candidatos PcD que atingiram a nota mínima nas provas objetivas, bem como a reconvocação para o exame físico dos candidatos que tiveram pedidos de adaptação negados, assegurando a realização das provas com acessibilidade adequada.

Além disso, solicita que a União e o Cebraspe sejam obrigados a deixar de computar os candidatos PcD aprovados pela ampla concorrência dentro das vagas reservadas, garantindo que essas vagas sejam ocupadas por outros candidatos PcD.

Para evitar a repetição das irregularidades, o MPF requer ainda que a União adote medidas permanentes para os futuros concursos da Polícia Federal, incluindo a revisão da cláusula de barreira, a manutenção da dupla listagem e a realização da avaliação biopsicossocial antes do exame físico. Essa avaliação deverá ser feita por equipe multidisciplinar, que definirá, de forma fundamentada, as adaptações razoáveis e a compatibilidade das deficiências com as atribuições do cargo.

A ação é assinada pelos procuradores da República Jaime Mitropoulos e Aline Caixeta, além do procurador regional dos Direitos do Cidadão adjunto no Rio Grande do Sul, Fabiano de Moraes.

Na primeira decisão proferida, a Justiça Federal concedeu cinco dias para que a União se manifeste sobre os pedidos liminares formulados pelo MPF.

Ação Civil Pública 5113550-39.2025.4.02.5101/RJ tramita na 5a. Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.

Fonte MPF