Direitos do Cidadão
31 de Março de 2025 às 11h40
Ditadura militar: ação do MPF pede condenação da União e do Estado de Sergipe por violações durante Operação Cajueiro
No período, foram realizadas prisões ilegais, torturas e repressão a opositores políticos; MPF propõe medidas de reparação
Arte: Comunicação/MPF
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública contra a União e o estado de Sergipe para garantir o direito à memória, à verdade e à justiça, diante das graves violações cometidas por agentes públicos durante a chamada Operação Cajueiro, realizada em fevereiro de 1976, em Aracaju, no contexto da ditadura militar.
A iniciativa integra a atuação do MPF no campo da Justiça de Transição, que tem o objetivo de enfrentar as consequências de regimes autoritários por meio do esclarecimento da verdade, realização da justiça, responsabilização dos violadores de direitos humanos, reparação dos danos às vítimas, criação de espaços de memória e reforma institucional dos serviços de segurança para alcançar o objetivo da não-repetição.
A ação tem como base o Inquérito Civil nº 1.35.000.000742/2021-05, aberto a partir das investigações da Comissão Estadual da Verdade de Sergipe. Entre as provas estão depoimentos de vítimas, testemunhas e documentos históricos que comprovam a ocorrência de prisões arbitrárias, tortura e perseguições políticas contra opositores do regime militar em Sergipe.
*Operação Cajueiro –* A Operação Cajueiro foi iniciada em 20 fevereiro de 1976, em Aracaju, por agentes das forças de segurança estadual e federal, todos coordenados pelas Forças Armadas, através da 6ª Região Militar, à época sob comando do General Adyr Fiúza de Castro. Ao todo, 24 pessoas foram presas sem a apresentação de mandado, vendadas com borracha e conduzidas à força à garagem do 28º Batalhão de Caçadores.
No batalhão, os presos foram mantidos incomunicáveis e sofreram torturas físicas e psicológicas por diversos dias. A borracha usada para vendá-los durante a detenção feriu as pessoas na região entre as sobrancelhas, sobre o nariz. O uso dessas vendas de borracha causou descolamento das retinas e cegou Milton Coelho de Carvalho.
Além de terem permanecido vendadas por dias, as vítimas sofreram espancamentos, sessões de afogamento e eletrochoques nas partes sensíveis do corpo como língua, orelhas e partes íntimas. Houve também tortura psicológica em razão da escuta das sessões de tortura dos demais presos e pela ameaça de que, se não confirmassem as acusações ou se denunciassem as violências sofridas, seriam reconduzidos para sessões de tortura ainda piores.
As torturas contra as vítimas da Operação Cajueiro foram relatadas em depoimentos prestados à Comissão Estadual da Verdade, mas já haviam sido narradas durante o processo criminal ao qual as vítimas responderam, na época, perante a Justiça Militar. Todos os processados foram absolvidos das acusações feitas com base na Lei de Segurança Nacional porque a Justiça Militar entendeu que as provas tinham sido colhidas por métodos ilegais.
Apesar de o Brasil ter sido condenado diversas vezes pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por descumprir as obrigações assumidas quanto à proteção de Direitos Humanos, o Estado brasileiro nunca assumiu formalmente a responsabilidade pelas violações ocorridas na Operação Cajueiro. Também não foram adotadas medidas para investigar e punir os responsáveis pelas prisões ilegais e torturas, pela preservação da memória e verdade nem reforma institucional dos serviços de segurança como polícias e forças armadas.
Pedidos – Para a procuradora da República Martha Figueiredo, que assina a ação, o caso representa uma oportunidade histórica de reafirmar os compromissos do Estado com os direitos humanos e a democracia. “A reparação da verdade histórica é um compromisso inegociável com as vítimas, com a sociedade e com a própria democracia. O reconhecimento da ilicitude desses atos, ainda que tardiamente, é essencial para impedir o esquecimento e reafirmar o nunca mais”, observa a procuradora.
Na ação, o MPF requer o reconhecimento judicial de que as prisões, torturas, os tratamentos cruéis e desumanos cometidos durante a Operação Cajueiro foram ilegais e violaram os direitos fundamentais das vítimas e de toda a sociedade brasileira. Além disso, pede a condenação da União e do Estado de Sergipe pela omissão na adoção de medidas de apuração, responsabilização, reparação e preservação da memória relacionada aos fatos.
Por fim, pede à Justiça Federal a condenação do Estado e União a reparar os danos imateriais causados à coletividade pelas violações de direitos humanos na Operação Cajueiro por meio das seguintes medidas:
- A realização pela União e Estado de um ato público de reconhecimento da responsabilidade e de um pedido de desculpas público e formal a toda a sociedade brasileira e, em específico, às vítimas da operação e aos familiares das vítimas falecidas, a ser preferencialmente proferido pelo presidente da República e governador do Estado;
- A construção de memorial em homenagem às vítimas da Operação Cajueiro, em local de destaque, em Aracaju, lugar em que se deram as torturas físicas e psicológicas a que foram submetidas;
- A inclusão da divulgação dos fatos relativos às vítimas da operação cajueiro em equipamento(s) público(s) permanente(s) destinado(s) à memória da violação de direitos humanos durante o regime militar;
- A obrigação de revelar os nomes e cargos dos servidores da Administração direta ou indireta que, em qualquer tempo, foram requisitados, designados ou cedidos, sob qualquer título ou forma, para atuar na Operação Cajueiro;
- A obrigação de proceder à localização e abertura dos arquivos dos órgãos federais e estaduais vinculados à repressão política, tornando públicas à sociedade brasileira todas as informações relativas às atividades desenvolvidas na Operação Cajueiro;
- Obrigar a União e Estado a reparar os danos morais coletivos de toda a sociedade, mediante pagamento de indenização, fixada para cada um deles em montante não inferior a R$ 1 milhão, a ser revertida em projetos educativos e informativos sobre a justiça de transição e projetos de promoção do direito à memória e à verdade em Sergipe;
- A conservação do acervo de documentos coletado pela Comissão Estadual da Verdade, através de sua integral digitalização, armazenando-o em mais de um local, com as respectivas cópias de segurança, assim como para que seja disponibilizado para consulta pública, além de sua ampla divulgação, através de meio impresso e audiovisual, e distribuição nas escolas das redes estadual e municipais de ensino, nas bibliotecas e arquivos públicos e privados do Estado de Sergipe;
Justiça de Transição – O MPF destaca que a ação está em conformidade com a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que impõe aos Estados o dever de apurar, punir e reparar graves violações aos direitos humanos cometidas num contexto sistemático e generalizado de ataques à população civil, mesmo quando ocorridas há décadas.
Para o MPF, o enfrentamento desses episódios é essencial para fortalecer o Estado Democrático de Direito, resguardar os direitos da sociedade à memória, à verdade e à garantia da não repetição dessas violências. Além disso, a dimensão pública de ações simbólicas é decisiva para facilitar o reconhecimento da sociedade em geral sobre o que ocorreu e quem foram as vítimas.
Conheça as vítimas – Foram presos e torturados na Operação Cajueiro Marcélio Bomfim Rocha; Milton Coelho de Carvalho; Carivaldo Lima Santos; Jackson de Sá Figueiredo; Antônio Bittencourt; Antônio José de Góis; Asclepíades José dos Santos; Carlos Alberto Menezes; Delmo Naziazeno; Edgar Odilon Francisco dos Santos; Durval José de Santana; Edson Sales; Gervásio Santos; João Francisco Océa; João Santana Sobrinho; José Elias Pinho de Oliveira; José Soares dos Santos; Luiz Mario Santos da Silva; Virgílio de Oliveira; Walter Santos; Rosalvo Alexandre Lima Filho; Pedro Hilário dos Santos; Francisco Gomes Filho e Wellington Dantas Mangueira Marques.
Também foram investigadas, embora não chegaram a ser presos na Operação Cajueiro Jackson Barreto Lima, Laura Maria Ribeiro Marques, José Carlos Teixeira e Jonas da Silva Amaral Neto.
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Fonte MPF