Ação do MPF busca garantir reserva de vagas para minorias étnicas em programa de residência médica no país — MPF-MG de 1º grau

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Direitos do Cidadão

3 de Outubro de 2025 às 19h5

Ação do MPF busca garantir reserva de vagas para minorias étnicas em programa de residência médica no país

MPF também pede adiamento de provas organizados pelas Ciências Médicas de Minas Gerais previstas para o domingo (5) e novo prazo de inscrição

Foto em detalhe de uma folha de respostas de prova e um lápis em cima


Foto ilustrativa: Canva

Uma ação do Ministério Público Federal (MPF) quer garantir a reserva de vagas (cotas) para pessoas de minorias étnicas, como os indígenas e quilombolas, nos processos seletivos para residência médica. A ação pede que a União e o Conselho Federal de Medicina (CFM) adotem, em até 30 dias, as medidas necessárias para regulamentar adequadamente os programas de residência médica organizados por meio da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), ligada ao Ministério da Educação, e, em especial, os programas mantidos pela Fundação Educacional Lucas Machado (Feluma). A instituição é responsável pelos programas de residência médica vinculados à Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais.

O MPF também pede que, em até 48 horas, a Feluma – responsável pelos processos seletivos para a Residência Médica de institutos como o Hospital Universitário Ciências Médicas de Minas Gerais (HUCM-MG) e o Biocor Instituto – seja obrigada a retificar os Editais n.º 28/2025 e 36/2025. O objetivo é inserir a reserva de pelo menos 5% das vagas (cotas) para candidatos de minorias étnico-raciais. O pedido inclui o adiamento das provas objetivas, previstas para o próximo domingo (5), e a reabertura do prazo de inscrição.

Apuração – O MPF tomou conhecimento da situação após a representação de um médico indígena, que noticiou a falta de previsão de vagas para negros e indígenas no edital da Feluma, o que viola as normativas da CNRM.

Questionada, a Feluma informou que o edital observou estritamente a Resolução CNRM n.º 17/2022. A entidade argumenta que a republicação da norma, em dezembro de 2022, não previu mais a obrigatoriedade de reserva de vagas especificamente para candidatos negros e pessoas com deficiência. A Fundação sustentou ainda que não existe lei específica que regulamente cotas raciais para residência médica e que a lógica da Lei de Cotas, aplicável a instituições federais, não se estende às instituições privadas

Entretanto, para o MPF, essas justificativas são totalmente equivocadas. A omissão da reserva de vagas constitui flagrante descumprimento da Resolução CNRM n.º 17/2022, cujo artigo 45 (da versão republicada) mantém expressamente a obrigação ao exigir que a reserva de vagas para ações afirmativas conste dos editais.

Além disso, o procurador da República Helder Magno da Silva, autor da ação, destaca que a entidade goza do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas). Esse benefício fiscal e a utilização de recursos públicos impõem à instituição o dever jurídico de alinhar suas práticas aos princípios constitucionais de igualdade e inclusão social, o que inclui a reserva de vagas.

“Trata-se, portanto, de um reconhecimento estatal que não apenas qualifica a atuação da instituição nos campos da saúde e da educação, mas também impõe deveres específicos de alinhamento às políticas públicas e aos objetivos constitucionais voltados à promoção de direitos fundamentais”, afirma.

Igualdade material – O procurador ressalta ainda que a vinculação dos hospitais da Feluma ao Sistema Único de Saúde (SUS), além da utilização de recursos públicos na prestação dos serviços à população, intensifica o dever jurídico da instituição de alinhar suas práticas aos princípios constitucionais da igualdade material, diversidade e inclusão social.

“A ausência de reserva de vagas para minorias étnico-raciais nos processos seletivos de residência médica configura violação direta ao princípio da igualdade material, ao direito fundamental à educação”, afirma Helder Magno da Silva. Segundo ele, a irregularidade também viola compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e as normativas específicas que impõem ao Estado e às instituições privadas conveniadas o dever de adotar medidas concretas para garantir a equidade racial no ensino superior.

Reforma da norma – Segundo a ação, o texto original da Resolução da CNRM possuía um capítulo próprio dedicado à reserva de vagas, com uma redação muito clara em seu artigo 3º, que estabelecia textualmente a reserva para as ações afirmativas.

Na nova redação, o CNRM decidiu retirar esse capítulo e substituí-lo por uma redação diferente: “a reserva de vagas a candidatos que concorrerem no âmbito das ações afirmativas deverá constar dos editais dos processos de seleção para ingresso nos programas de residência médica” (Art. 45).

Para o MPF, diante da insuficiência da regulamentação, “teria ficado a critério de cada instituição observar ou não as normas constitucionais e legais aplicáveis aos certames para ingresso nas residências médicas, que constituem concursos públicos seletivos para ensino de pós-graduação destinada a médicos”.

No entanto, Helder Silva cita que, mesmo nesse contexto, algumas instituições passaram a prever reserva de vagas, como é o caso da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), que reserva 3% das vagas para indígenas e 20% para negros.

Direito assegurado – Para o MPF, a obrigação de adotar políticas afirmativas decorre diretamente da Constituição, que visa construir uma sociedade livre, justa e solidária, sem preconceitos de raça e cor. Além disso, o Estatuto da Igualdade Racial (Lei n.º 12.288/2010) e o Estatuto do Índio (Lei n.º 6.001/1973) impõem ao Poder Público o dever de corrigir desigualdades. Por fim, a ação cita que o Brasil também está vinculado à Convenção Interamericana Contra o Racismo, incorporada com status de norma constitucional.

Nesse contexto, o MPF argumenta que a ausência de lei específica para cotas raciais na residência médica não pode impedir a efetividade do direito. Desta forma, aplica-se, por analogia, a Lei n.º 12.990/2014, que regulamenta a reserva de vagas em concursos públicos, já que os programas de residência médica são considerados concursos públicos seletivos para pós-graduação.

“A implementação de políticas públicas e medidas concretas que garantam a inclusão social e a equidade racial no acesso à residência médica não se trata de mera opção administrativa, mas de um dever imposto pela própria Constituição e pela legislação infraconstitucional, em especial quando tais instituições desempenham função pública relevante e se beneficiam de recursos ou incentivos estatais”, ressalta o procurador.

Pedido alternativo – Alternativamente, o MPF requer que a Feluma separe 5% das vagas previstas nos Editais 28/2025 e 36/2025 e promova, em até 10 dias, a abertura de editais complementares ou suplementares. Essas vagas seriam destinadas exclusivamente a candidatos de minorias étnico-raciais, incluindo os 28 segmentos que compõem o Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT).

Ação Civil Pública nº 6367092-80.2025.4.06.3800

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Fonte MPF