Direitos do Cidadão
10 de Outubro de 2025 às 17h10
A um mês da COP30, MPs e Defensorias acionam Justiça para garantir direitos da população de rua em Belém (PA)
Ação aponta risco de higienização social e remoções forçadas, omissão sistemática e descumprimento de decisão do STF
Foto: MPF
Nesta sexta-feira (10), a exatamente um mês do início da 30ª Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada em Belém (PA), o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), a Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE-PA) entraram na Justiça Federal com pedido de decisão urgente contra a União e o município de Belém para reverter as omissões no cumprimento de normas que garantem os direitos fundamentais da população em situação de rua na capital paraense.
Na ação, os órgãos argumentam que a inércia dos governos federal e municipal agrava a vulnerabilidade social desse grupo, situação que se torna ainda mais crítica com a proximidade da COP30. Representantes dos MPs e das Defensorias alertam para o risco de ações de higienização social e remoções forçadas, em um contexto de descumprimento generalizado de uma decisão cautelar do Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 976, que determinou uma série de proteções a essa população em todo o Brasil.
A documentação apresentada na ação – assinada pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão, Sadi Flores Machado, pelo promotor de Justiça Firmino Araújo de Matos, pelo defensor público federal Marcos Wagner Alves Teixeira e pela defensora pública estadual Julia Graciele Rezende de Sousa – comprova um acirramento do quadro de vulnerabilidade social em Belém, marcado por um “notório e expressivo aumento da população em situação de rua nos últimos anos”. O documento cita um levantamento do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas para Pessoas em Situação de Rua que aponta um crescimento de mais de 500% dessa população na cidade nos últimos oito anos.
Descaso e violações – A ação detalha cinco eixos principais que fundamentam a denúncia de omissão estatal:
Ausência de dados oficiais: mais de dois anos após a ordem do STF, o município de Belém ainda não realizou o diagnóstico da população em situação de rua, uma ferramenta considerada essencial para planejar políticas públicas eficazes. A própria Lei Municipal nº 10.152/2025, que instituiu a política para este público, prevê a realização de censos, o que nunca ocorreu.
Recolhimento forçado e remoção compulsória: a ação relata a constatação de remoção forçada de pessoas e o recolhimento de seus bens e pertences na Travessa Quintino Bocaiúva, em junho deste ano. A prática representa uma “evidente violação ao direito à cidade” e desobedece diretamente a proibição expressa na decisão do STF.
Insuficiência crônica de vagas de acolhimento: uma inspeção conjunta realizada em julho de 2025 nos abrigos municipais Casa Abrigo para Pessoas Adultas e Famílias em Situação de Rua (Camar) I e Camar II revelou que a oferta de vagas diminuiu de 54, em 2023, para apenas 40, com somente duas disponíveis no momento da vistoria. Além disso, a cidade não dispõe de nenhuma vaga em casa de passagem, modalidade de acolhimento emergencial. A carência é agravada pela existência de apenas um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (Caps-AD) com capacidade para somente quatro atendimentos diários.
Precariedade estrutural dos equipamentos: parecer técnico de engenharia anexado à ação classifica a situação da Casa Rua Nazareno Tourinho como “crítica” e “totalmente inadequada”, com “deficiências generalizadas e graves” e “riscos iminentes de segurança”. Os Centros de Referência Especializados para População em Situação de Rua (Centros Pop) São Brás e Icoaraci, embora em melhores condições, apresentam falhas graves, como a não observância de requisitos de acessibilidade e a ausência de mobiliário adequado na área de descanso externa.
Inefetividade de políticas públicas: apesar da adesão formal de Belém a programas federais como o Plano Nacional Ruas Visíveis e o Projeto Moradia Cidadã, a ação afirma que não houve a adoção de qualquer medida concreta para a efetiva implementação. A União também não atende ao compromisso federativo, oferecendo apenas cronogramas genéricos sem suporte financeiro ou técnico efetivo.
A urgência dos pedidos é justificada pelo risco iminente de agravamento das desigualdades sociais com a COP30, que já provoca um processo de especulação imobiliária e pode levar a um aumento da população em situação de vulnerabilidade na cidade, ao mesmo tempo em que intensifica a pressão por remoções forçadas.
Pedidos urgentes – O MPF, o MPPA, a DPU e a DPE-PA pedem à Justiça a concessão de uma decisão urgente para obrigar a União e o município de Belém a adotarem uma série de medidas imediatas.
Em até 15 dias, o município de Belém deve:
- proibir o recolhimento forçado de bens e pertences e a remoção compulsória de pessoas;
- impedir o uso de arquitetura hostil e levantar as barreiras existentes que dificultam o acesso a serviços públicos;
- disponibilizar bebedouros, banheiros públicos, lavanderias sociais, itens de higiene básica (sabonete, xampu, absorventes etc) e barracas ou outra estrutura provisória de abrigo com dignidade; e
- realizar mutirões periódicos da cidadania para regularização de documentos e inscrição em cadastros governamentais.
O município de Belém e a União, de forma coordenada, devem, em 30 dias:
- promover a realização de um diagnóstico socioterritorial da população em situação de rua em Belém, com participação popular;
- estabelecer um protocolo intersetorial de atendimento na rede pública de saúde; e
- providenciar, no mínimo, 250 vagas provisórias em casas de passagem.
A União deve também prestar apoio técnico e financeiro ao município de Belém para o cumprimento das medidas de disponibilização de itens de higiene e abrigo, no âmbito do Programa Pontos de Apoio (PAR).
Na ação, os órgãos pedem ainda a apresentação de relatórios mensais de cumprimento das medidas, a designação de uma audiência de monitoramento em 60 dias e a destinação dos valores de eventuais multas para projetos voltados à população de rua.
Pedidos de caráter definitivo – A ação civil pública também pede que, ao final do processo judicial, a Justiça Federal determine outras medidas, desta vez de caráter definitivo. Os MPs e as Defensorias indicam a necessidade de que seja cumprido um roteiro para a reestruturação da política de assistência à população de rua em Belém.
Os pedidos são para que, primeiramente, o município seja obrigado a criar um plano de adequação de seus serviços de acolhimento, o que envolve reformar os abrigos existentes, ampliar a capacidade para ao menos 200 vagas e criar um serviço de casas de passagem para 250 usuários.
Para embasar essas medidas, o município também deve realizar o primeiro censo da população de rua e implementar o Projeto Moradia Cidadã, pede a ação. Os MPs e as Defensorias também pedem que a Justiça determine que o financiamento de todas as medidas seja garantido no orçamento municipal. Também é pedido que seja determinado à União a prestação do apoio técnico e financeiro essencial para que o plano, o censo e o projeto se tornem realidade.
Ação Civil Pública nº 1053723-12.2025.4.01.3900
Ministério Público Federal no Pará
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Fonte MPF