Resumo:
- Um trabalhador resgatado em situação análoga à escravidão em 2013 entrou na Justiça em 2019 com pedido de indenização.
- A primeira e a segunda instâncias consideraram que ele havia perdido o prazo para apresentar a ação, que, na Justiça do Trabalho, é de dois anos após o fim da relação de trabalho.
- Mas, para a 6ª Turma do TST, pretensões relacionadas à escravidão contemporânea não prescrevem, e podem ser levadas à Justiça depois do prazo normal das reclamações trabalhistas.
14/3/2025 – A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que uma ação movida por um trabalhador submetido a condições análogas à escravidão na Fazenda São Lourenço, em Dourados (MS), retorne ao primeiro grau e tramite normalmente. A reclamação trabalhista havia sido extinta nas instâncias anteriores por ter sido apresentada mais de seis anos depois do resgate do trabalhador. Mas, para o colegiado, pretensões relacionadas a esse tema são imprescritíveis, ou seja, a ação pode ser ajuizada a qualquer tempo.
Promessas sobre condições de trabalho não foram cumpridas
O trabalhador rural foi admitido na fazenda em novembro de 2003, com remuneração de um salário mínimo e promessa de comida e moradia. Mas, segundo ele, a fazenda deixou de fornecer água potável, energia elétrica, moradia digna e alimentação adequada, obrigando-o a beber a água do mesmo açude utilizado pelo gado.
A casa, de acordo com seu relato, tinha portas e janelas quebradas, sem proteção para chuva, insetos, frio e demais intempéries. Além disso, sua jornada começava às 5h e terminava às 23h, porque, como único funcionário do local, tinha de “cuidar do gado, fazer cerca, domar cavalo bravo, bater ração, aplicar veneno e conduzir tratores, de domingo a domingo”.
A partir de abril de 2008, o fazendeiro deixou de pagar o salário e as demais obrigações e passou a fornecer somente arroz para alimentação. Também impedia o trabalhador de sair da fazenda, ameaçando-o de morte.
Trabalhador foi resgatado dez anos depois
Em abril de 2013, auditores-fiscais do trabalho e membros do Ministério Público do Trabalho fizeram uma vistoria no local e o resgataram. O proprietário da fazenda foi denunciado e responde a um processo criminal na Justiça Federal.
A reclamação trabalhista foi apresentada em agosto de 2019, mas o juízo de primeiro grau extinguiu o processo em razão da prescrição. De acordo com a sentença, a ação teria de ter sido ajuizada até abril de 2015.
Esse entendimento foi mantido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (MS). Segundo o TRT, a partir do resgate, o trabalhador teria recobrado a liberdade e poderia ter proposto a ação para reivindicar eventuais direitos no período de dois anos, mas só o fez mais de seis anos depois.
No recurso ao TST, o trabalhador argumentou que, quando a ação se origina de fato que precisa ser apurado no juízo criminal, como no caso, que ainda está em curso no na Justiça Federal, não há prescrição antes da sentença criminal definitiva.
Pretensões fundadas em trabalho escravo não prescrevem
O relator, ministro Augusto César, lembrou que o Brasil, por ter ratificado a Convenção Americana de Direitos Humanos (Decreto 678/1992), se submete à jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH). Esta, por sua vez, ao condenar o Brasil por violação de direitos humanos no caso Fazenda Brasil Verde, entendeu que não há prescrição da pena, porque o direito à não submissão a trabalho escravo é uma norma indisponível de direito internacional.
“Se para o âmbito penal, onde se protege a liberdade de locomoção, as pretensões criminais decorrentes do crime de trabalho análogo ao de escravo são imprescritíveis, o mesmo entendimento deve ser adotado no âmbito trabalhista, que tutela o direito patrimonial de ressarcimento das vítimas”, afirmou o ministro.
A decisão foi unânime.
(Carmem Feijó)
Processo: RR-24796-34.2019.5.24.0022
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