7/7/2025 – Julho chegou e, com ele, o momento mais esperado do ano por muitos trabalhadores: as férias. Com o recesso escolar, muitas famílias aproveitam para viajar, descansar ou simplesmente desacelerar. Para quem trabalha com carteira assinada, esse período de descanso é mais que merecido — é um direito protegido pela Constituição Federal (artigo 7º, inciso XVII), regulamentado na CLT (artigos 129 a 153) e reforçado pela Convenção 132 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Apesar disso, o número de ações na Justiça do Trabalho mostra que esse direito é desrespeitado com frequência. Somente em 2024, a Justiça do Trabalho recebeu 244.410 processos com pedidos relacionados a férias: 129.919 na primeira instância, 89.769 nos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e 24.722 no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Os TRTs com maior volume de ações foram o da 2ª Região (SP), com 51.113; o da 15ª Região (Campinas/SP), com 35.974; e o da 1ª Região (RJ), com 19.928.
Para esclarecer o tema, o juiz Marcelo Segato Morais, , e a juíza Lisiane Vieira, da Vara do Trabalho de Joaçaba (SC), destacaram os principais pontos sobre o direito às férias.
Quem tem direito às férias
De acordo com o juiz do trabalho Marcelo Segato Morais, da 4ª Vara do Trabalho de Uberlândia (MG), o direito às férias é garantido a todas as pessoas com vínculo de emprego regido pela CLT. Já trabalhadores autônomos ou eventuais não têm esse direito, exceto se houver decisão judicial que reconheça o vínculo empregatício.
As férias devem ser concedidas em dias corridos, ou seja, incluem sábados, domingos e feriados. Segundo o artigo 134, parágrafo 3º, da CLT, elas não podem começar nos dois dias que antecedem feriado ou o descanso semanal, como o domingo. A regra visa garantir que o período de descanso seja efetivamente usufruído.
Exemplo: se o Domingo de Páscoa cair em 9 de abril, as férias não podem começar na sexta-feira (7/4) nem no sábado (8/4), pois esses são os dois dias que antecedem o repouso semanal. Nesse caso, o início correto seria na segunda-feira, 10 de abril.
Período aquisitivo e concessivo
A cada 12 meses de trabalho (período aquisitivo), a pessoa adquire o direito a 30 dias de férias (artigo 130 da CLT). Após esse prazo, a empresa tem mais 12 meses (período concessivo) para conceder o descanso (artigo 134). Se ultrapassar esse limite, deverá pagar as férias em dobro (artigo 137).
Exemplo prático: Se o contrato foi assinado em 1º de agosto de 2023, o direito às férias é adquirido em 31 de julho de 2024. A empresa tem até 31 de julho de 2025 para conceder o descanso. Caso não o faça, as férias vencidas deverão ser pagas em dobro.
Quem escolhe a data das férias
A CLT estabelece que cabe ao empregador definir o período das férias (artigo 136). No entanto, a legislação prevê exceções:
- Pessoas da mesma família que trabalham na mesma empresa podem tirar férias no mesmo período, se não houver prejuízo ao serviço (artigo 136, parágrafo1º);
- Estudantes com menos de 18 anos têm direito a coincidir as férias com o recesso escolar (artigo 136, parágrafo 2º).
Valor e prazo de pagamento
Durante as férias, o trabalhador deve receber o salário integral acrescido de 1/3, o chamado terço constitucional, previsto no artigo 7º, inciso XVII, da Constituição e no artigo 142 da CLT. O valor deve ser pago até dois dias antes do início do período de descanso (artigo 145).
O que mudou com a decisão do STF
Até 2022, o entendimento do TST, previsto na Súmula 450, era de que o atraso no pagamento das férias implicava o pagamento em dobro da remuneração, com o terço incluído. Contudo, no julgamento da ADPF 501, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da súmula. Para o STF, o pagamento em dobro se aplica apenas aos casos em que as férias não são concedidas dentro do prazo legal. O simples atraso no pagamento, ainda que irregular, não gera automaticamente a penalidade.
Abono pecuniário: é possível vender parte das férias?
Sim. O artigo 143 da CLT permite que o trabalhador converta até 1/3 do período de férias em dinheiro, prática conhecida como abono pecuniário. O pedido deve ser feito até 15 dias antes do fim do período aquisitivo. Essa conversão é uma decisão do empregado e não pode ser imposta pelo empregador.
Na prática, é possível tirar 20 dias de descanso e “vender” os 10 dias restantes. Sobre esse valor, o trabalhador também recebe também o terço constitucional. Isso significa que o abono não corresponde apenas à remuneração dos 10 dias “vendidos”, mas também ao terço constitucional incidente sobre eles.
Rescisão antes de completar 12 meses
Quem sai da empresa antes de completar 12 meses de trabalho tem direito às férias proporcionais, calculadas como 1/12 por mês trabalhado ou fração superior a 14 dias. Isso vale tanto para pedido de demissão quanto para dispensa sem justa causa.
Hoje, a CLT (artigo 146) exclui esse direito em caso de justa causa. Mas essa regra está sendo discutida no TST com base na Convenção 132 da OIT, que foi ratificada pelo Brasil e garante o pagamento proporcional independentemente do tipo de rescisão. Essa convenção tem força normativa supralegal, ou seja, vale mais do que as leis comuns, mas está abaixo da Constituição, segundo entendimento do STF.
Diante disso, o tema foi levado ao Pleno do TST e será julgado como incidente de recurso de revista repetitivo para possível fixação de tese vinculante. Isso significa que o Tribunal pode mudar o entendimento atual e firmar um novo entendimento: a de que as férias proporcionais devem ser pagas em qualquer tipo de desligamento, inclusive na justa causa.
Férias fracionadas e férias coletivas
Desde a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), as férias podem ser divididas em até três períodos, desde que haja concordância do trabalhador (artigo 134, parágrafo 1º). Um dos períodos deve ter no mínimo 14 dias corridos, e os demais, pelo menos cinco dias cada.
As férias coletivas são previstas nos artigos 139 a 141 da CLT. Elas devem ser comunicadas com antecedência de 15 dias ao sindicato da categoria, ao Ministério do Trabalho e aos empregados. Podem ser divididas em até dois períodos por ano, com no mínimo 10 dias corridos cada. Quem ainda não completou o período aquisitivo e entrar em férias coletivas recebe proporcionalmente, e o restante é considerado licença remunerada (artigo 140).
E se o trabalhador estiver afastado?
Afastamentos por auxílio-doença, acidente de trabalho ou licença-maternidade suspendem a contagem do período aquisitivo. Após o retorno, a contagem recomeça. As férias não podem coincidir com o afastamento e devem ser remarcadas se houver sobreposição.
Férias nos contratos intermitentes e parciais
No contrato intermitente, o trabalhador é convocado apenas quando há demanda, conforme prevê o artigo 443, parágrafo 3º, da CLT. Ao final de cada prestação de serviço, ele deve receber imediatamente:
- salário
- férias proporcionais com 1/3 constitucional
- 13º salário proporcional
- FGTS.
Esses direitos estão garantidos no artigo 452-A, parágrafo 5º, da CLT.
Além disso, mesmo recebendo as férias de forma proporcional, o trabalhador intermitente tem direito a um período de 30 dias sem ser convocado a cada 12 meses de contrato, para garantir descanso real. Isso está previsto no artigo 452-E da CLT.
Já no caso do trabalho em regime de tempo parcial, o direito às férias é o mesmo: 30 dias corridos por período aquisitivo, conforme o artigo 58-A, parágrafo 5º, da CLT.
Esse regime se aplica a contratos com até 30 horas semanais, sem possibilidade de horas extras, ou até 26 horas semanais, com até seis horas extras por semana. Cargas horárias acima desses limites não são consideradas jornada parcial pela legislação.
Aviso-prévio e férias não se confundem
A empresa não pode conceder férias durante o aviso-prévio. São institutos com finalidades distintas: enquanto as férias visam ao descanso, o aviso-prévio é um período de transição para o encerramento do contrato.
Faltas interferem nas férias?
Segundo a juíza do trabalho Lisiane Vieira, da Vara do Trabalho de Joaçaba (SC), faltas justificadas como licença médica, falecimento de familiar, casamento ou doação de sangue não reduzem o período de férias, desde que haja comprovação. Contudo, ela alerta que as faltas não justificadas reduzem o número de dias de descanso, conforme o artigo 130 da CLT:
- até 5 faltas: 30 dias
- de 6 a 14 faltas: 24 dias
- de 15 a 23 faltas: 18 dias
- de 24 a 32 faltas: 12 dias
- mais de 32 faltas: perde o direito às férias naquele período
Cuidado com as fake news
Boatos que circulam nas redes sociais de que o direito às férias seria extinto ou reduzido não têm fundamento. “Não existe nenhum projeto de lei em trâmite no Congresso Nacional que vise acabar com o direito de 30 dias de férias”, afirma o juiz Marcelo Segato Morais. “Vale lembrar que o direito às férias é um direito constitucional do trabalhador”.
Direito essencial à dignidade
Mais do que um dispositivo legal, as férias são um instrumento de proteção à saúde e à dignidade de trabalhadoras e trabalhadores. Garantem tempo para descanso, convívio familiar e recuperação física e mental, contribuindo para a produtividade e para a qualidade das relações de trabalho.
(Flávia Félix e Bruno Vilar/CF)
Fonte TST