25/11/2025 – A série “Trabalho e Clima: Justiça do Trabalho e COP30” traz casos em que os impactos ambientais decorrentes da ação humana geraram consequências na saúde e nas vidas de milhares de pessoas e que geraram processos trabalhistas.
O colapso geológico provocado pela extração de sal-gema em Maceió (AL), considerado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como “a maior tragédia que o Brasil já evitou”, segue produzindo efeitos profundos na vida social e econômica da capital alagoana. Mais de 60 mil pessoas foram obrigadas a abandonar suas casas desde 2018, e cinco bairros inteiros — Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e parte do Farol — tiveram seu tecido urbano, comercial e comunitário desestruturado.
Para além das perdas materiais, o desastre desencadeou impactos diretos no mundo do trabalho. Fechamento de empresas, paralisação de atividades, deslocamento compulsório da população e ruptura de cadeias produtivas resultaram em demissões, queda de renda e instabilidade emocional entre trabalhadores e empregadores atingidos.
Justiça do Trabalho vai julgar causas relacionadas ao desastre
Nesse cenário, o Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região (AL) passou a receber demandas de trabalhadores que afirmam ter perdido o emprego em razão da desocupação dos bairros e do fechamento compulsório de estabelecimentos. Na análise de um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR 0001372-28.2023.5.19.0000), o TRT-19 decidiu que a Justiça do Trabalho tem competência para julgar ações que apontam responsabilidade da Braskem pelos desligamentos ocorridos em decorrência do afundamento do solo.
Segundo o presidente do TRT-19, desembargador Jasiel Ivo, explica que o objetivo foi evitar decisões conflitantes em casos que envolvam as muitas ações trabalhistas relacionadas à Braskem:
Crise vai além dos danos materiais
O desastre alterou profundamente as dinâmicas de trabalho na capital alagoana. Os bairros afetados concentravam comércio, serviços e pequenos negócios familiares, muitos deles responsáveis por sustentar comunidades inteiras. Com a evacuação e a interdição das áreas, lojas, mercados, salões, escolas, escritórios, uma empresa de construção e um grande hospital foram fechados. Prestadores de serviço, trabalhadoras domésticas, vendedores ambulantes, mototaxistas e microempreendedores perderam clientela, renda e, em muitos casos, a própria fonte de sustento.
Além do impacto econômico, relatos de adoecimento mental se multiplicaram entre moradores e trabalhadores que vivenciaram o deslocamento compulsório, a ruptura comunitária e a incerteza sobre o futuro. O relatório intitulado “Colapso Mineral”, publicado em agosto de 2023 pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios, apontou 12 suicídios relacionados ao desastre socioambiental causado pela Braskem. No contexto desse sofrimento, destaca-se o caso de Maria Tereza da Paz, conhecida como “Dona Pureza”, moradora do Flexal de Cima, que cometeu suicídio aos 62 anos. Sua carta póstuma responsabilizava diretamente a empresa pela depressão que enfrentava.
Paralelamente, o relatório elaborado pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) em parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil local (OAB/AL), divulgado em abril de 2024, identificou violações graves dos direitos humanos nas comunidades atingidas, como a ausência de realocação digna, falta de transparência na definição de mapas de risco e persistência de vulnerabilidades estruturais. O quadro evidencia uma crise que vai além do dano material, com efeitos psicológicos severos entre moradores.
Cerca de 4.500 empreendimentos encerraram os serviços
A instabilidade residencial e financeira tornou-se também um fator que afeta diretamente a produtividade, a inserção profissional e a segurança no trabalho. O mesmo relatório cita que cerca de 4.500 pequenos e médios empreendedores fecharam seus estabelecimentos nos bairros atingidos.
O empresário Wellington Alves Wanderley Lopes, dono de um posto de gasolina no Pinheiro, em entrevista ao jornal Tribuna Hoje, publicada em 7/5/2025, disse que precisou fechar o negócio por falta de clientes após a desocupação do bairro. Segundo ele, além de ter perdido o ponto, o prejuízo foi de cerca de R$ 7 milhões. “Durante mais de 15 anos, abri as portas do meu posto todos os dias com a mesma responsabilidade: abastecer carros, gerar empregos e cuidar da minha família com o que vinha do trabalho honesto”, afirmou.
O posto ficava no coração do bairro Pinheiro. “Era um ponto de referência. Tinha cliente que parava só pra conversar, outros vinham de longe porque confiavam no serviço. Era a minha vida”, enfatizou. “Agora o bairro virou um deserto, com a retirada de 60 mil pessoas. Casas, prédios, comércios, tudo esvaziado. Chegou uma hora que não tínhamos mais para quem vender.”
A fuga dos consumidores acabou decretando o fim de muitos estabelecimentos que não foram reassentados e permaneceram nas áreas limítrofes. Mesmo fora do perímetro oficialmente classificado como de risco, esses negócios também sentiram os efeitos da mineração e, sete anos após a crise se tornar pública, já não conseguem sustentar suas atividades.
Iuri Barreto morava na região e era dono de uma academia desde 2003. Ele conta como, em 2019, teve de demitir todos os funcionários:
Acesso à Justiça garante direitos trabalhistas
Com a decisão do TRT-19, trabalhadores que tiveram vínculos encerrados ou sofreram prejuízos decorrentes da tragédia podem buscar a Justiça do Trabalho para analisar se houve responsabilidade empresarial pelos danos trabalhistas sofridos. A cartilha produzida pelo tribunal orienta que, caso o trabalhador entenda ter sido prejudicado, deve buscar assistência jurídica especializada em canais de atendimento como a Defensoria Pública da União, a OAB/AL e o serviço de atermação virtual da Justiça do Trabalho.
Para a arquiteta Júlia Bulhões, co-autora do livro “Colapso Mineral em Maceió: O desastre da Braskem e o apagamento das violações”, o poder público tem de garantir a reparação integral do dano e evitar que ele se repita.
A tragédia em Maceió demonstra como eventos socioambientais podem extrapolar a esfera ambiental e se desdobrar diretamente sobre emprego, renda, saúde e segurança do trabalho. O caso é paradigmático para a Justiça do Trabalho porque revela a necessidade de compreender a relação entre desastres ambientais e direitos trabalhistas, especialmente em situações em que atividades industriais geram riscos coletivos capazes de comprometer a vida econômica de uma região inteira.
Texto: Kamilla Barreto, do TRT-19
Edição: Carmem Feijó
Fonte TST


