Atenção à saúde mental cobra novas práticas de gestão e combate a ambientes de trabalho tóxicos

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28/4/2025 – Jornadas exaustivas, controle excessivo das chefias, cobranças sem reconhecimento e um clima constante de desconfiança. Antes mesmo de o expediente começar, o celular já vibra com uma nova mensagem de trabalho. O tempo para ir ao cinema, ler um livro ou encontrar amigos desaparece aos poucos. As reuniões são tensas, as metas inalcançáveis, e as horas extras se acumulam em um banco de horas esquecido pela empresa – sem nenhuma previsão de descanso.

Dinâmicas de trabalho como essa têm levado trabalhadoras e trabalhadores ao adoecimento físico e mental. Sem identificação com o que fazem, enfrentam crises de identidade, desconexão com os propósitos do trabalho, transtornos como ansiedade e depressão, esgotamento e estresse crônico. A vida, aos poucos, se fragmenta entre o emprego e o pouco que resta além dele.

Os números confirmam a gravidade do problema. Só em 2024, mais de 472 mil brasileiros precisaram se afastar temporariamente de seus postos de trabalho por questões de saúde mental, segundo o Ministério da Previdência Social (MPS). O benefício, antes conhecido como auxílio-doença, é concedido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) após perícia médica que comprove a necessidade de afastamento por mais de 15 dias.

Para enfrentar essa crise, uma mudança importante entrará em vigor no próximo mês: a atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) do Ministério do Trabalho e Emprego, que trata do gerenciamento de riscos ocupacionais e das medidas de prevenção em segurança e saúde no Trabalho. A nova regra inclui a gestão de “riscos psicossociais” no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) das empresas. Na prática, isso significa que as organizações terão de identificar, avaliar e adotar medidas para prevenir e reduzir os impactos desses riscos no ambiente de trabalho – assim como já fazem com os riscos físicos, químicos e biológicos.

 

 

Confiança e propósito: os novos pilares da gestão de pessoas

A diretora da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), Sandra Gioffi, avalia que a pauta ultrapassa as fronteiras do RH, pois trata de um tema estratégico que impacta diretamente a produtividade, a inovação e a reputação das organizações. A especialista alerta: para enfrentar o problema, não bastam ações pontuais. É necessário construir uma cultura organizacional baseada em confiança, respeito e segurança psicológica. “Um ambiente onde as pessoas possam ser autênticas, expressar dúvidas e emoções, pedir ajuda e errar sem medo de punição”, define.

Nesse contexto, o papel das lideranças é determinante, e Gioffi adverte que a liderança puramente técnica já não é suficiente. “O líder do presente – e do futuro – precisa ser sensível, empático e consciente do impacto que tem na saúde mental de sua equipe.”

A mudança comportamental das novas gerações é outro aspecto que precisa ser considerado. “Esses jovens não toleram ambientes autoritários, pouco saudáveis ou incoerentes com valores humanos. Eles buscam propósito, liberdade, autenticidade e espaços onde possam ser respeitados como indivíduos, e não apenas como ‘recursos’. E estão dispostos a sair de empresas que não respeitam esses princípios”, adianta Gioffi.

“Nova exigência não se resolve apenas com protocolos ou checklists”

A diretora da ABRH destaca que a atualização da NR-1 traz uma oportunidade para que as empresas deixem de atuar apenas em situações de crise e passem a adotar uma abordagem preventiva e integrada. “Ela exige mudança de cultura. Exige maturidade para reconhecer que assédio moral, excesso de pressão, medo, insegurança, isolamento e falta de reconhecimento também adoecem – e matam”, alerta. 

 

Infográfico com o texto A construção de um ambiente de trabalho mais seguro e saudável inclui:  Mapear e monitorar fatores subjetivos, como ambiente tóxico, lideranças abusivas ou falta de sentido no trabalho Qualificar lideranças para serem guardiãs da saúde emocional de seus times, com foco em escuta ativa, empatia e intervenções precoces Adaptar práticas organizacionais às novas expectativas das gerações Z e Alpha, que demandam mais horizontalidade, coerência entre discurso e prática e um ambiente emocionalmente saudável como pré-requisito, não como diferencial Construir espaços seguros para conversas difíceis, dando voz aos colaboradores e valorizando a diversidade de experiências e emoções  Fontes: Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH)

 

Precarização do trabalho tem impactos na saúde mental

Para o professor do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (IP/UnB) Pedro Costa, a crescente precarização do mundo do trabalho – e consequentemente da saúde mental de trabalhadoras e trabalhadores – é o elemento central de um cenário marcado por retrocessos em direitos, intensificação das jornadas e avanço da informalidade. O professor avalia que a chamada “crise do trabalho” não deve ser vista de forma isolada, mas como uma faceta de uma crise mais ampla dos modos de vida contemporâneo. 

 

“Essa crise é sistêmica e se manifesta em múltiplas frentes – ambiental, política, econômica e social – refletindo uma sociabilidade em colapso. Nesse contexto, a precarização das relações de trabalho não é um fenômeno pontual, mas parte de um quadro estrutural de deterioração das condições de vida”.
Pedro Costa, professor da UnB

 

Costa considera fundamental que as empresas assumam responsabilidade na promoção de melhores condições de trabalho, indo além de medidas comumente associadas ao campo da saúde mental. Reduções na jornada, valorização de vínculos formais via CLT e salários dignos são apontados pelo professor como caminhos para enfrentar o sofrimento causado pelo trabalho. 

“Até porque, se o tratamento se pauta pelo afastamento do trabalho, está evidente que o trabalho é justamente a dimensão fundante dessa condição de sofrimento”, avalia o professor da UnB. “Não basta medicar e possibilitar meios de acesso a psicoterapia ou consultas médicas – por mais que isso não deva ser desconsiderado –, mas é necessário que as empresas considerem a necessidade de termos melhores condições de trabalho.”

Abril Verde reforça alerta sobre prevenção de acidentes de trabalho

Entre 2012 e 2022, o Brasil registrou mais de 6,7 milhões de acidentes de trabalho notificados. Neste contexto, a campanha Abril Verde chama a atenção para a importância da prevenção de acidentes e doenças ocupacionais. Alinhado a esse propósito, o Programa Trabalho Seguro — uma iniciativa do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), em parceria com diversas instituições públicas e privadas — reforça o compromisso com a promoção de ambientes de trabalho mais seguros.

A escolha de abril para a campanha remete ao Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho, celebrado em 28 de abril, data reconhecida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em homenagem às vítimas de acidentes e doenças relacionadas ao ambiente laboral.

(Silvia Mendonça/CF)

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